É praticamente impossível imaginar a vida sem internet hoje em dia. Contudo, essa dependência pode ser bastante alta, ainda mais nas novas gerações que nascem em um mundo totalmente tecnológico. As telas são parte fundamental do nosso dia a dia, seja no trabalho, educação ou lazer. Talvez por isso as pessoas já não saibam viver mais sem elas.
Além disso, elas podem parecer uma forma de ajuda para os pais e lhes oferecendo um pausa na agitação das crianças e lhes dando tempo de fazer alguma atividade de casa.
Contudo, por mais que o tempo de tela possa parecer uma coisa inofensiva, ou que até mesmo possa enriquecer a mente das crianças, ele tem suas várias armadilhas. Isso porque elas podem afastar as crianças de atividades físicas e brincadeiras que estimulem a imaginação, o que consequentemente pode prejudicar o desenvolvimento de habilidades críticas, como por exemplo, autorregulação emocional.
Estudo
Segundo um novo estudo, o tempo de tela para bebês e crianças pequenas também tem relação com um risco adicional que nem sempre é considerado: o desenvolvimento de comportamentos atípicos de processamento sensorial.
De acordo com os pesquisadores, com o estudo, as crianças que ficavam mais tempo em frente à televisão ou de outras telas antes dos dois anos tinham uma probabilidade maior de desenvolver esses comportamentos antes dos três anos. E essa probabilidade parece ficar maior conforme o tempo de tela é maior.
Dentre os comportamentos estão busca de sensações e evitar as sensações. Ou seja, quando a criança procura uma estimulação sensorial que seja mais intensa ou então é avessa às sensações intensas. Além disso, outro comportamento visto é o registro baixo, quando ela tem uma sensibilidade mais baixa ou resposta mais lenta aos estímulos.
Esses comportamentos podem dar pistas a respeito das habilidades de processamento sensorial da criança ou sobre a capacidade do corpo de interpretar as informações sensoriais e criar uma resposta que seja apropriada.
Para o estudo, os pesquisadores usaram dados do US National Children’s Study, um estudo incompleto e em grande escala que analisava as influências ambientais tanto na saúde como no desenvolvimento infantil.
Mesmo que os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA tenham cancelado o NCS antes do planejado, dados de aproximadamente cinco mil crianças já tinham sido recolhidos. Dentre eles, a exposição de bebês e crianças pequenas às telas aos 12, 18 e 24 meses. Além disso, vários pais preencheram o Perfil Sensorial de Bebês/Crianças, para falar a respeito do processamento sensorial das crianças pequenas.
Por conta disso que o ITSP pode ajudar a revelar padrões de baixo registro ou busca de sensações através da classificação das crianças como baixas, típicas ou altas se baseando na frequência de vários comportamentos relacionados aos sentidos.
Tempo de tela
Quando as crianças tinham 12 meses, os pais foram perguntados: “Seu filho assiste TV e/ou DVD?”. Entre os 18 e 24 meses, a pergunta foi: “Nos últimos 30 dias, em média, quantas horas por dia seu filho assistiu TV e/ou DVDs?”
O estudo então se baseou nas respostas dadas pelos cuidadores de 1.471 crianças registradas entre 2011 e 2014. Com isso, eles viram que no caso de crianças de um ano, qualquer tempo de tela nesse primeiro ano estava relacionado com uma probabilidade 10,5% maior de ela ter comportamentos sensoriais elevados no futuro ao invés de típicos.
Já para as crianças de 18 meses, cada hora adicional por dia estava relacionada com uma chance de 23% mais de ela ter comportamentos sensoriais elevados relacionados à evitação de sensações e baixo registro quando chegasse aos 33 meses.
Enquanto isso, nas crianças de dois anos, cada hora extra por dia de tempo de tela estava relacionada com 20% mais chances de uma busca alta de sensações, sensibilidade sensorial e evitação de sensações já no ano seguinte.
Mesmo com várias variantes controladas, como a idade, o histórico de saúde, a educação dos cuidadores e a frequência com que a criança brincava ou caminhava com seus cuidadores, os pesquisadores pontuaram que as descobertas mostram que o tempo de tela é sim um fator significativo. Mas mais estudos são necessários para determinar se existiu alguma relação casual.
Cognição
O uso desordenado de tela é uma categoria de comportamentos problemáticos bem ampla. Nela estão inclusas dependência de tela e persistência no uso mesmo quando ele é prejudicial.
Tanto é que um estudo publicado na revista científica Neuropsychology Review fez a análise de 34 estudos anteriores que pontuavam as variadas formas do uso de tela, como por exemplo, jogos, navegação na Internet, uso de smartphones e uso de mídias sociais, e faziam comparações com o desempenho cognitivo das pessoas com o uso de tela desordenado com as que não tinham essa condição.
Como resultado foi visto que as pessoas que tinham um uso de tela desordenado tinham um desempenho cognitivo significativamente pior quando comparadas às outras pessoas. Esse desempenho inclui a capacidade de pensamento, como a atenção, memória, linguagem e resolução de problema.
De acordo com um artigo do The Conversation, pesquisadores da Universidade Macquarie e da Universidade Católica Australiana ressaltaram que essas descobertas sugerem que é preciso ter cuidado antes de defender um tempo de tela maior e as introduzir em mais aspectos da rotina.
Dentre todas as capacidades cognitivas, a mais afetada foi a atenção. Ainda mais especificamente, a atenção sustentada, que é a capacidade de manter o foco em um estímulo por um tempo longo. O segundo ponto que teve uma discrepância maior foi no “funcionamento executivo”, especificamente no controle de impulsos, que é a capacidade de controlar as próprias respostas automáticas.
Ainda de acordo com os pesquisadores, o que a pessoa está fazendo em frente à tela é irrelevante para os resultados. Além disso, essa tendência não ficou limitada às crianças, ela foi vista em todas as faixas etárias.
Por mais que os pesquisadores não tenham avaliado como o uso desordenado de tela resulta nessas alterações, existem explicações possíveis. A primeira é que esse uso desordenado leva a uma função cognitiva pior, como habilidades de atenção pioradas. Nesse caso, quando a pessoa desvia o foco para fora, esse uso de tela pode enfraquecer a capacidade intrínseca de concentração ao longo do tempo.
Outra hipótese é que as pessoas que já têm um funcionamento cognitivo mais deficiente têm uma probabilidade maior de ficarem envolvidas com o uso desordenado de telas. Isso pode acontecer como resultado de várias dicas viciantes que foram projetadas para manter as pessoas grudadas nas telas.
A consequência no nível de atenção das pessoas por conta das telas afeta a vida cotidiana delas. Até porque, atenção é a base das tarefas do dia a dia. Justamente por isso que as pessoas que têm uma atenção mais fraca podem ter dificuldade em acompanhar ambientes menos estimulantes, como por exemplo, o local de trabalho ou a sala de aula. Consequentemente, isso pode fazer com que elas se voltem para a tela.
Fonte: Science alert, Época negócios
Imagens: Science alert, Instituto Villamil