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Professor é acusado de blasfêmia em prova e tem a mão cortada na Índia

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Em 2010, a mão de um professor foi cortada na Índia por extremistas após ele ser acusado de insultar o Islã durante uma prova. Em setembro de 2022, o governo baniu o grupo muçulmano Frente Popular da Índia (PFI), cujos membros realizaram o ataque. 

No Estado de Kerala, TJ Joseph contou à BBC que relembra o que viveu há 12 anos. De acordo com ele, tudo aconteceu em uma manhã chuvosa de julho. Aos 52 anos, Joseph era professor em uma faculdade local e dava aulas de língua malaiala, idioma falado no estado.

Ele estava voltando para casa com a mãe e a irmã, após a missa dominical na cidade de Muvattupuzha, quando, faltando apenas 100 metros, uma van apareceu e bloqueou o automóvel de Joseph.

Dentro do veículo estavam seis homens que cercaram o carro do professor, um deles carregava um machado. Inclusive, foi ele quem quebrou o vidro do carro, abriu a porta do carro por dentro e puxou o professor para a rua.

O homem fez cortes nas pernas e nas mãos da vítima, como se estivesse cortando madeira, mesmo que o professor implorasse para não ser morto. A mão esquerda já havia sido decepada e jogada de lado e o braço direito estava quase desconectado do corpo. 

O filho e a esposa do professor saíram de casa depois de ouvirem gritos e os sons de vidro se estilhaçando. O jovem apontou um facão para o homem que atacou o pai. No entanto, os homens ainda conseguiram detonar uma bomba, deixando a vítima sangrando no chão e fugindo em seguida.

Cirurgia e trauma

Foto: BBC

Os vizinhos socorreram Joseph e o levaram para o hospital. A mão decepada foi encontrada no jardim de um vizinho, colocada em uma bolsa e levada para o pronto-socorro. Seis médicos levaram 16 horas e usaram 16 bolsas de sangue para operá-lo, suturar a mão decepada e reparar os cortes no pulso e no braço.

O professor acordou 18 horas depois da cirurgia, com o hospital repleto de jornalistas, já que o ataque causou indignação pública.

Ele recebeu alta após 35 dias de internação, onze dentro da unidade de terapia intensiva (UTI). “Meu crime foi colocar uma questão em uma prova que algumas pessoas consideraram um insulto ao Islã. E isso mudou minha vida”, conta o professor.

Quatro meses antes do ataque, o diretor do Newman College, administrado pela igreja católica romana local, e onde o professor trabalhava havia dois anos, ligou para Joseph falando que a faculdade estava cheia de policiais, e seria melhor se ele ficasse afastado por um tempo.

O diretor afirmou que no local estavam dizendo que “o profeta havia sido insultado” e cartazes foram colados nas paredes da faculdade. Isso ocorreu após um exercício de pontuação, em que o professor usou um diálogo, uma conversa imaginária entre “Deus e um homem louco”, de um livro sobre roteiros escrito pelo cineasta P.T. Kunju Muhammed.

O nome louco foi nomeado como Muhammed, inspirado pelo nome do próprio cineasta, contou Joseph. “Muhammed é um nome comum entre os muçulmanos. Não me passou pela cabeça que alguém entenderia isso como uma menção ao profeta Maomé.”

Perseguição e prisão

Devido às tensões em alta, a polícia estava bloqueando a passagem dos manifestantes pelos portões da faculdade. A multidão forçou o fechamento das lojas da cidade. Logo em seguida, a instituição de ensino anunciou rapidamente a suspensão do professor.

Por isso, Joseph pediu que a esposa, Salomi, trouxesse uma muda de roupa e pegou um ônibus para fora da cidade. Ele ficou viajando de um lugar para outro, dormindo em hotéis baratos e acompanhando a situação pela TV. 

A polícia formou quatro equipes para localizá-lo e até levou o filho dele de 22 anos sob custódia para extrair informações sobre o paradeiro do pai. Após sete dias, Joseph se entregou à polícia.

Ele foi trancado em uma cela de prisão com outras 15 pessoas e a polícia entrou na casa onde ele morava e levou passaporte, comprovantes bancários e outros documentos oficiais. O professor estava sendo acusado de “blasfemar e desafiar a Deus”.

Após passar quase uma semana na prisão, o professor pagou a fiança e começou a viver com os sogros. Ele tomava todos os cuidados ao sair de casa. Diferentes grupos perseguiram-no em três momentos, e quase conseguiram pegá-lo em uma ocasião.

Por causa disso,  as portas e os portões da casa de Joseph ficavam sempre trancados e alguém de dentro vigiava a rua através do muro baixo a todo momento.

Além disso, o professor comprou dois facões e os escondeu atrás das cortinas da sala de estar e raramente saía do lar.

Ataque

Foto: BBC

A polícia prendeu 31 homens que supostamente tinham alguma relação com o ataque. Todos eles faziam parte da Frente Popular da Índia (FPI), que foi suspensa por cinco meses em setembro deste ano por supostas ligações com grupos terroristas. Representantes do grupo negam a acusação.

Ao todo, 13 dos detidos acabaram sendo condenados por alguma conexão com o ataque. Dez deles receberam uma pena de oito anos de prisão. Outras onze pessoas foram detidas depois e vão enfrentar um julgamento.

Joseph deve receber uma indenização de 800 mil rúpias (o equivalente a R$ 51 mil), que será paga pelos condenados.

Demissão do professor

Um mês depois de voltar do hospital, Joseph foi demitido. Por causa disso, ocorreu uma onda de protestos em Kerala: professores arrecadaram dinheiro para financiar o tratamento; cartas de apoio chegaram pelos correios; celebridades condenaram a demissão; e dois manifestantes entraram em greve de fome às portas da faculdade.

Entre 2010 e 2011, o professor passou por operações para recuperar a perna, o antebraço e os dedos feridos. Por causa disso, a família deixou as joias nas casas de penhores, empréstimos educacionais foram tomados para os filhos.

A primeira notícia positiva foi recebida em novembro de 2013, quando o tribunal rejeitou a acusação de blasfêmia. O julgamento apontou que a controvérsia foi criada por “alguns muçulmanos que não entenderam” a questão.

Em casa, Salomi, aos 48 anos, entrou em depressão. Anos depois, em março de 2014, ela acabou tirando a própria vida. A morte fez com que a faculdade fosse novamente acusada pelas tribulações da família.

Reintegração do professor ao corpo docente da instituição

Foto: BBC

Três dias depois da morte da esposa, Joseph foi reintegrado ao corpo docente da instituição. Faltavam apenas três dias para ele poder se aposentar.

No entanto, a diocese católica romana local manteve a posição de que a pergunta do professor “misturou blasfêmia e insulto religioso” e “causou angústia a estudantes que pertenciam a uma comunidade específica”.

Em uma carta pastoral lida nas congregações, os líderes da igreja falaram sobre a reintegração do professor, afirmando que a diocese “mostrou misericórdia e o restabeleceu no serviço” por “considerações humanitárias”, e não porque houvesse pressão pública.

A reintegração de Joseph significava que ele poderia receber os salários atrasados e os benefícios da aposentadoria. Além disso, outra diocese emitiu um boletim de apoio ao professor afirmando que a vida familiar dele foi transformada em um “inferno” por causa do incidente.

Escritor

Foto: BBC

Atualmente, o professor afirma que “renasceu” como escritor. Ele escreveu com a mão esquerda mais de 700 páginas de memória, intituladas de A Thousand Cuts (“Mil Cortes”, em tradução livre). Ele também publicou uma sequência da obra “mais fina e satírica” e planeja agora um compilado de contos.

A casa dele também foi reformada com o dinheiro da aposentadoria. Joseph adicionou mais um andar ao imóvel e agora mora com a mãe de 95 anos, com o filho, com a nora engenheira e com um neto de três anos.

Recentemente, ele viajou à Irlanda para passar um tempo com a filha de 32 anos, que mora e trabalha como enfermeira no país. 

Fonte: BBC

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