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Conheça o cão que virou santo proibido pela Igreja

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O cão, nomeado como Guinefort, era um santo procurado principalmente por mães aflitas em busca de curas milagrosas para seus filhos doentes.

O animal ficou conhecido por volta do ano 1200. Na época, uma trágica história teria ocorrido em um castelo na região de Lyon, então parte do Sacro Império Romano-Germânico, atual França. O casal de nobres que morava no local precisou sair para resolver problemas do povoado vizinho e deixou o filho deles, um bebê, no quarto.

Ao voltarem para casa, encontraram o quarto bagunçado, com marcas de sangue pelo chão. O cão que morava com eles tinha sangue em sua boca. O homem desesperado, declarou que o animal havia matado o seu filho e decepou o cachorro com uma espada.

No entanto, alguns minutos depois, o casal notou que o bebê estava dormindo tranquilamente e que uma cobra perigosa estava trucidada, morta, ao canto do quarto, com a cabeça arrancada. Ao entender que o cão havia salvado o seu filho, o nobre mandou providenciar um enterro com honras para Guinefort, com direito a lápide.

Com o passar dos anos, a história começou a se transformar em uma lenda e o local se tornou um ponto de devoção a São Guinefort.

Porém, para a Igreja, venerar um animal parecia mais idolatria do que cristianismo.

“A Igreja, de fato, condena a prática da veneração a animais, porque a tradição católica entende que a santidade é uma dádiva concedida por Deus especificamente ao ser humano, que foi criado à sua imagem e semelhança”, disse à BBC o estudioso de hagiologias Thiago Maerki.

Inquisição sobre o cão Guinefort

Foto: Reprodução/ NE 10

De acordo com o historiador, filósofo e teólogo Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, é preciso entender que, para o cristianismo, “o ser humano é a joia da criação de Deus”.

“Este é o elemento fundamental da concepção judaico-cristã: Deus cria absolutamente tudo, mas é ao ser humano dotado de razão que ele acaba, de alguma forma, fazendo transparecer sua imagem e semelhança.”

Moraes acrescenta que a tradição eclesiástica entende que esse privilégio dos seres humanos nos coloca em um patamar acima dos animais. “Os animais também representam a criação de Deus, mas os seres humanos são racionais, carregando a ideia e o conceito de serem imagem e semelhança do próprio Deus”.

Dessa forma, “a veneração de animais” pode ser entendido como “algo que poderia se configurar uma idolatria”.

“E a Inquisição acaba agindo de maneira truculenta, violenta até, em defesa dessa concepção teológica, para evitar que um animal fosse adorado”, explica Moraes.

O religioso dominicano Estevão de Bourbon (1180-1261), considerado um dos primeiros inquisidores da Igreja, dedicou-se a escrever sobre o que ele considerava como sendo os bons e maus exemplos daquele tempo. Ele condenou veementemente a devoção ao santo canino.

De acordo com matéria da BBC, o religioso mandou exumar os restos mortais do bicho. Ele também determinou que tudo fosse queimado, para que o local deixasse de ser ponto de peregrinação.

No entanto, Maerki apontou que as pessoas continuaram a venerar o cão.

“A Inquisição usava a violência, de modo absurdo. Mas nem sempre a Igreja tem o controle sobre o que de fato as pessoas sentem, a fé que as pessoas têm. Isso não se controla. E a história daquele cão acabou desembocando em veneração”, acrescenta Moraes.

São Domingos de Gusmão e o seu cão

São Domingos de Gusmão (Foto: Domínio Público)

Professor no Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o historiador André Leonardo Chevitarese conta que há cerca de 40 anos, quando ele frequentava a igreja dedicada a São Domingos de Gusmão, no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, aconteceu um incidente envolvendo a imagem dedicada ao santo da paróquia.

A história aponta que quando estava grávida dele, a mãe de Domingos de Gusmão (1170-1221) sonhou que dava à luz um cão carregando uma tocha na boca. Para ela, isso significava que seu filho seria um valente defensor da fé, capaz de iluminar os caminhos.

Por causa disso, o santo costuma ser representado ao lado de um cachorro carregando a tocha. No entanto, o padre desta paróquia da Tijuca notou que muitas pessoas rezavam mais para o cão do que para o santo.

O religioso teria dado uma bronca ao notar que as pessoas faziam promessas e pedidos não a São Domingos, mas ao cachorro de São Domingos. “Para evitar esse desvio de conduta do fiel, ele mandou retirar a imagem do cachorro da estátua do santo.”

Animais são instrumentos da ação divina

São Roque (Foto: Domínio Público)

Além de São Domingos, São Roque (1295-1327), Santa Margarida de Cortona (1247-1297) e São João Bosco (1815-1888) também costumam ser representados na companhia de um cão.

“É interessante pensar também sobre São Francisco [de Assis (1181-1226)], sempre retratado como o santo da natureza, o protetor dos animais, aquele que conversava com os animais”, comenta Maerki.

Os estudiosos apontam que os animais são apenas instrumentos da ação divina. O historiador Chevitarese explica que a Igreja não aceita a veneração de animais “porque o ato de venerar santos apoia-se em dois elementos-chave”.

“O primeiro é que o que faz o indivíduo se tornar santo é seu modelo de virtude, algo pautado por uma conduta absolutamente impecável, alguém a ser copiado, um exemplo. Esse é o primeiro aspecto”, pontua. “Em segundo lugar, a veneração também dialoga com uma intrínseca relação de intercessor: o santo ou a santa são intercessores no céu, junto a Deus.”

Sem exceções

Foto: Wikimedia Commons

De acordo com os estudiosos, é impossível que um dia haja uma exceção e a Igreja Católica aceite a canonização de qualquer animal. 

“Enquanto permanecer a lógica de que o ser humano é a joia da criação de Deus, um ser racional criado à imagem e semelhança de Deus, não há possibilidade alguma de exceção”, explica o teólogo Moraes.

O especialista acrescenta que a visão da Igreja é de que o ser humano é o administrador de tudo.

Fonte: BBC

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