O biólogo Keith Davis desapareceu no mar a milhares de quilômetros de casa e seu corpo nunca foi encontrado. Até os dias atuais, a sua morte chama a atenção para um setor que costuma passar despercebido da maioria das pessoas: o setor pesqueiro.
Keith Davis, um tocador de ukulele idealista e aventureiro do Arizona, trabalhou para tornar visível o trabalho perigoso do mundo da pesca.
“Ele era muito impulsivo, muito romântico, agia no calor do momento”, disse à BBC Anik Clemens, seu amigo e colega. “Ele era muito apaixonado pelo que fazia. Queria proteger os oceanos, queria proteger os pescadores e sua indústria.”
No ano de 2015, durante uma viagem aparentemente rotineira no navio Victoria 168, parte de uma frota de navios pesqueiros de propriedade de um conglomerado de Taiwan, o homem de 41 anos desapareceu a quilômetros da costa do Equador.
A tripulação até vasculhou o navio, mas não encontrou nenhum sinal do biólogo. Após a informação do desaparecimento chegar aos seus amigos e colegas no continente, muitos ficaram desconfiados.
“Ele tinha 16 anos de serviço. E não há dúvida de que ele era o mais profissional, cuidadoso e seguro possível”, contou Bubba Cook, amigo de Davis e gerente do Programa de Atum do Pacífico Ocidental e Central da ONG de proteção ambiental WWF (World Wildlife Foundation).
De acordo com Cook, a conclusão é que algo aconteceu com Keith Davis. “Até hoje, estou convencido de que ele viu algo que as pessoas que estavam naquele navio não queriam que ele visse.”
Observador da Pesca
Segundo o podcast da BBC, Lost At Sea (Perdido no Mar), Keith Davis era um biólogo marinho que trabalhava como observador de pesca. Essa profissão pouco conhecida, e muito arriscada, atua a centenas de quilômetros da costa para proteger essas águas da pesca excessiva e obter observações científicas para ajudar a entender a saúde de nossos oceanos e vida marinha.
Os observadores vivem com a tripulação e trabalham nas mesmas horas. No entanto, podem ser vistos com desconfiança, já que parte de seu trabalho é relatar atividades ilegais.
Apesar do alto mar ser conhecido pela atividade ilegal, a BBC não encontrou nada que apontasse que Keith Davis testemunhou alguma coisa ilegal no Victoria 168.
O barco em que eles estavam trabalhando quando desapareceu é conhecido como transbordo. Esses navios abastecem os barcos de pesca de atum com suprimentos frescos e transportam peixes recém pescados à costa. Esse processo permite que alguns pesqueiros de atum fiquem no mar por anos, o que ajuda a economizar custos, e faz com que a lata de atum custe US$ 0,99 (cerca de R$ 5,20).
Meio de comunicação
Conforme repercutido pela BBC, os observadores que testemunham atividades ilegais estão em uma posição bastante vulnerável. Quando Keith Davis trabalhava no Victoria 168, seu único meio de comunicação com a costa era por meio do computador do capitão.
Por isso, alguns observadores são treinados para falar em código caso vejam algo muito sensível para dizer em voz alta.
Mesmo que Davis amasse a profissão, ele estava ciente dos perigos do trabalho. “Muitos de nós testemunharam atividades com armas, brigas de facas, escravidão… muitas das quais temos que engolir como ‘parte do trabalho'”, escreveu ele no Facebook um ano antes de desaparecer.
Também vale destacar que a morte de Davis não é um incidente isolado. Diversos observadores desapareceram ou morreram em circunstâncias misteriosas.
Outros sumiços
No entanto, a maioria desses casos não possuem a visibilidade que Keith Davis teve. De acordo com a BBC, isso ocorre porque esses outros observadores são habitantes das ilhas do Pacífico que trabalham para sustentar suas famílias e não aventureiros americanos, como Davis.
Na maioria das vezes, eles fazem parte de comunidades com um forte histórico de pesca artesanal, que em muitos casos foram devastadas por frotas pesqueiras globalizadas.
“Achamos a falta de conclusão sobre o que aconteceu com Keith extremamente perturbadora, não há muito mais que possamos fazer”, afirmou a empresa MRAG Americas, que o empregava, em comunicado. “Continuamos a lutar pela máxima segurança para nossos observadores no mar e em terra”.
Já o Grupo Gilontas, proprietário do Victoria 168, apontou que “o Grupo Gilontas cooperou com as autoridades que conduziram a investigação”.
Oficialmente, não se sabe o que aconteceu com Keith Davis. Mas sabe-se que o trabalho dos observadores, de testemunhar o que acontece no mar, pode torná-los vulneráveis.
“Os observadores não têm apoio da indústria pesqueira. Eles não têm apoio das agências. Eles não têm apoio de seus empregadores, os empreiteiros. No final, eles estão sozinhos”, afirma Liz Mitchell, o ex-presidente da Associação de Observadores Profissionais.
De acordo com Bubba Cook, do WWF, que acompanha as mortes de observadores há mais de uma década, um dos maiores problemas é que não se sabe quantos observadores sumiram. “Aqui no Pacífico, tem sido cerca de um observador por ano. E isso é apenas [desde] que começamos a manter registros. Quantos antes disso morreram no mar sob várias circunstâncias, ou nunca voltaram para casa?”.
Vale destacar que também existe o mapa Observatório Global de Pescaria, uma ferramenta de acesso aberto que mostra a localização de aproximadamente 65 mil navios de 2012 até os dias atuais.
Fonte: G1
Comentários