Curiosidades

Os relatos de assédio e pressão dos estagiários de Direito

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Conseguir um estágio é bastante importante porque é nele que os estudantes terão o contato com a sua futura profissão. No entanto, recentemente, uma tentativa de suicídio chocou o mundo do Direito além de acender um alerta sobre o tratamento de todo estagiário nesse ramo.

Em agosto desse ano, um estagiário em um dos escritórios de advocacia mais renomados do país se feriu durante uma tentativa de suicídio. Contudo, ele foi atendido no local e encaminhado para o hospital com vida. Mesmo com lesões, ele passa bem.

Através de um comunicado à imprensa, o escritório onde ele trabalhava informou que lamenta o incidente e que “ofereceu toda assistência necessária para o jovem, sua família e seus colegas de trabalho.

Estagiário

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Claro que esse caso gerou revolta. Além disso, nas redes sociais, várias pessoas começaram a denunciar as condições abusivas que muitos estagiários de Direito enfrentam nas suas primeiras experiências profissionais.

Nesse ponto, o perfil do Instagram “Escritórios expostos” (@escritoriosexpostos) recolhe e expõe relatos de assédio, moral e sexual, vividos por estagiários em escritórios de advocacia.

O perfil já tem mais de 50 mil seguidores e cada história publicada mostra ainda mais um mundo cheio de cobranças absurdas, prazos irreais e tratamento interpessoal grosseiro e abusivo.

Segundo conta o estagiário de Direito Thiago, nome fictício, de 24 anos, ele viveu nessa cultura de trabalho tóxica em alguns dos maiores escritórios da capital paulista. Ele relatou jornadas de trabalho exaustivas e incompatíveis com seu cargo de estagiário.

“Cansei de ficar mais de 12 horas no escritório. Era comum trabalhar até as 22h ou no final de semana”, contou.

O estudante também apontou que a lógica nos lugares onde ele trabalhou dizia que sair no horário certo era um sinal de que o funcionário estava sem trabalho. “Se você não ficasse até mais tarde, era pressionado. Eles diziam que você não estava rendendo o esperado”, disse.

Abusos

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Além disso, a pressão também era outro fator constante. Thiago conta que, em um dos escritórios onde ele trabalhou, reuniões eram marcadas caso ele não conseguisse entregar tudo o que tinha sido pedido. “A reunião era feita aos gritos, e você era ofendido de inúmeras maneiras”, contou.

Por conta disso, Thiago lembrou que não foram poucas vezes que ele viu colegas de estágio terem crises de choro no expediente. Em determinada ocasião, segundo ele, uma estagiária saiu no meio do almoço em prantos e uma das sócias do escritório viu a situação e disse que chorar no ambiente profissional era como um rito de passagem.

“Eu me demiti de um dos escritórios porque não conseguia mais ficar lá. Estava no meio de uma crise de ansiedade e só queria sair daquele lugar. Saí dali aos prantos e quase fui atropelado, queria me jogar do primeiro local que encontrasse”, contou Thiago.

“O assédio moral no mundo da advocacia contra funcionários temporários existe de forma sistemática em escritórios de grande e médio porte”, afirmou Roberto Heloani. Ele é formado em Direito e Psicologia, e é professor e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista sobre assédio moral no trabalho.

De acordo com ele, o assédio moral é um produto de uma rede de violências estabelecidas em um ambiente profissional. E em um ambiente onde as pessoas são obrigadas a cumprir metas abusivas, acaba-se criando uma rede de violência.

Direito

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No entanto, engana-se quem pensa que o assédio moral é uma prática individual. Na visão do pesquisador, ele é um reflexo da pressão vivida em um ambiente.

“Quando a lógica de trabalho obriga alguém a cumprir metas a todo custo, isso cobra um preço na saúde mental. O profissional acaba descontando essa pressão em quem está mais próximo”, explicou Heloani.

Ainda de acordo com ele, essa violência costuma ser legitimada por uma estrutura hierárquica. “O assédio é caracterizado por uma assimetria de poder. Alguém tem um poder muito maior e o exerce de forma abusiva. Por ser o elo mais fraco da corrente, é o estagiário quem muitas vezes sofre as pressões, estresses, cobranças e violências. O autoritarismo é a grande ferramenta daqueles que não sabem comandar”, pontuou.

O que pode ser feito?

Rádio Montanheza

“O estágio é uma experiência que toda pessoa que faz Direito deve ter”, afirmou Heloani. Justamente por isso que ele vê com bastante tristeza que os jovens estão tendo seus sonhos profissionais destruídos por conta do assédio moral.

“O estagiário geralmente é alguém que está entrando na vida adulta, eles ainda não estão formados. As agressões sistêmicas abalam de forma grave a saúde mental de alguém, podendo produzir ou agravar transtornos mentais”, ressaltou.

Por conta de suas experiências, Thiago apresentou sintomas de doenças mentais. Ele considera que está melhor agora graças ao tratamento médico, medicação e com o passar do tempo. No entanto, ele é categórico em dizer que as experiências traumáticas deixam marcas.

Fonte: BBC

Imagens: BBC, Rádio Montanheza

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