À medida que a urbanização avança, as desigualdades tendem a aumentar também. Isso requer perspectivas inclusivas e de longo prazo que respondam à pergunta: como as necessidades das mulheres podem ser ampliadas e trazidas para o projeto e implementação de espaços públicos? Uma ferramenta para isso é o urbanismo feminista.
O urbanismo feminista é entendido como uma estrutura estratégica para trazer as mulheres para o processo de planejamento urbano e ao mesmo tempo empoderá-las – e está crescendo rapidamente como uma prática dominante.
Promover políticas urbanas baseadas nas necessidades e direitos de mulheres e meninas equivale a um melhor planejamento para todos. A forma como construímos túneis, playgrounds, centros de recreação, transporte público e dispositivos de iluminação serve como um indicador-chave para cidades inteligentes sustentáveis e como uma variável-chave no estudo de políticas de inovação urbana.
Sendo assim, diante do exposto, medidas concretas foram tomadas no âmbito internacional na última década. O primeiro marco dessa “corrida de longa distância” foi a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação da Violência Contra as Mulheres de 1993, que destacou a importância da igualdade de gênero como tema transversal para o desenvolvimento sustentável.
Urbanismo feminista e desenvolvimento
No entanto, a Iniciativa Global Cidades Seguras da ONU Mulheres, lançada em 2010, abordou especificamente a igualdade de gênero nos espaços públicos como elemento fundamental para a conquista dos direitos das mulheres. A iniciativa é o primeiro programa a fornecer conhecimento atualizado e a desenvolver políticas para alcançar avanços substanciais no assunto.
Por esses meios, o objetivo da ONU Mulheres é garantir que mulheres e meninas em todas as cidades do mundo sejam social, econômica e politicamente empoderadas nos espaços públicos, que são os veículos necessários para que as mulheres desenvolvam todo o seu potencial.
Igualdade de gênero
Ao mesmo tempo, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável enfatiza a igualdade de gênero como elemento transversal para impulsionar o desenvolvimento sustentável. Por exemplo, “Igualdade de Gênero” constitui o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5; e ODS 11 – “Cidades e Comunidades Sustentáveis” – clama por assentamentos urbanos inclusivos e seguros, transporte, habitação ou serviços públicos.
Assim, ambos os objetivos estão intrinsecamente ligados e nenhum pode ser alcançado sem o outro. Em outras palavras: eles enfatizam a necessidade de uma abordagem feminista no desenho das políticas urbanas.
Esses dois marcos levaram à Nova Agenda Urbana da ONU Habitat, que cumpre uma nova estrutura que “descreve como as cidades devem ser planejadas e gerenciadas para melhor promover a urbanização sustentável”. E isso requer a participação essencial das mulheres, para que suas necessidades e experiências sejam consideradas na formação das cidades.
Esse roteiro internacional serviu como uma forte influência que iniciou uma conscientização coletiva por cidades com mais igualdade de gênero em todo o mundo, incluindo a América Latina. Mas acima de tudo, destaca a importância de ter políticas públicas coerentes que combatam as disparidades de gênero a partir de suas causas profundas.
Na prática
Um exemplo bem-sucedido de como a participação das mulheres pode transformar as políticas urbanas é o liderado pelo Observatório Chileno contra o Assédio de Rua (conhecido pela sigla em espanhol OCAC), criado em 2013 por um grupo de jovens sociólogas.
Dois anos depois, com o aval da ONU Mulheres, o OCAC realizou uma pesquisa de opinião pública sobre o assédio nas ruas e seus efeitos na vida cotidiana das mulheres. Os números eram claros: 9 em cada 10 mulheres sofreram assédio nas ruas. Ao mesmo tempo, também provaram que o assédio está ligado à forma como as mulheres vivem na cidade: quase 62% delas admitiram que modificam o uso habitual dos espaços públicos.
Desse modo, os resultados da pesquisa e da campanha de sensibilização que lhe está associada foram reveladores. Tanto que, no mesmo ano, o OCAC elaborou o projeto de lei da “Lei do Respeito nas Ruas”. Revogando uma lei obsoleta de 1874, o novo projeto de lei estabelece uma definição legal para o assédio nas ruas. Além disso, penalidades legais específicas para reduzi-lo foram estabelecidas.
O projeto de lei foi aprovado por unanimidade na Câmara dos Deputados. Atualmente está em discussão no Senado para se tornar uma lei oficial no Chile.
O caso chileno é um excelente exemplo do poder dos cidadãos para mudar a forma como as cidades são governadas. O caminho para a igualdade exige enfrentar os obstáculos de forma resoluta e decidida. Isso porque o conceito de gênero é indissociável da igualdade e sua implementação prática é indissociável da política democrática.
Fonte: BBC
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