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A jornada do vilão

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O vilão mais famoso do Batman nasceu com o intuito de ser descartado logo em seguida. Isso porque ele surgiu pela primeira vez em 1940 no quadrinho Batman #1, sendo que a ideia dos roteiristas era matá-lo no final daquela mesma edição. Vale destacar que, por mais que seja difícil imaginar uma realidade sem o príncipe do crime, os criadores achavam que um antagonista recorrente mancharia a imagem do playboy disfarçado. Afinal, ele deveria ser capaz de derrotar seus inimigos em seu combate ao crime.

Assim sendo, de acordo com os planos, o palhaço teria partido dessa para uma melhor (ou pior, nesse caso), com uma facada em seu coração, se não fosse pelo protesto de um dos editores da DC Comics. Isso mesmo, Whitney Ellsworth foi quem viu potencial nesse vilão e é o motivo pelo qual ele ainda está vivo no universo DC. Para a sorte dos fãs do personagem, era Whitney quem tinha a palavra final. Se não fosse por ele, o mundo jamais teria conhecido os HQs memoráveis como A Piada Mortal (1988), muito menos veria a atuação sensacional de Heath Ledger e agora Joaquim Phoenix.

Hoje, quase 80 anos após seu nascimento, o Coringa é um vilão consagrado, amado até, assim como vários outros. Darth Vader, Walter White, Malévola… A lista é longa, mas não era assim antigamente. Antagonistas complexos só passaram a ter espaço em narrativas recentes, já que antigamente eles eram simplesmente odiados.

A luz e a escuridão

Reprodução

Aristóteles defendia que toda ficção, chamada de poética na época, deve possuir algum tipo de antagonismo. Vale destacar que ele não disse “antagonista”. O vilão não era essencial, então, bastava ter algum problema na história, seja uma competição, catástrofe natural, entre outras.

Desse modo, na literatura grega, a linha entre mocinho e vilão não é tão clara. “Os próprios heróis faziam atos bastante questionáveis”, lembra Mônica Faria, especialista em narrativas da UFPEL. Basta pensar em Zeus, o rei de Olimpo. Ele certamente não pode ser considerado exatamente um herói e tampouco um vilão. Isso porque ele traía, matava, punia, mas também salvava. Já Hércules, seu filho, um dos principais heróis da literatura, matou sua família inteira na versão antes da maquiagem da Disney.

Então, a literatura grega oferece uma boa perspectiva para entender o que é um antagonista. Do grego, a palavra significa rival ou competidor, não vilão. Ele serve para movimentar as peças e enaltecer a missão do protagonista – e nem precisa ser maligno. O personagem pode simplesmente ter o mesmo desejo do protagonista, como é o caso de Apollo Creed no primeiro filme da franquia de Rocky Balboa (1976).

Foi na Idade Média que começamos a ter um mundo mais dicotômico – dividido entre o bem e o mal. Não temos personagens complexos, que oscilam com suas decisões. Agora, temos o verdadeiro bem e o verdadeiro mal. A consequência disso é tornar as histórias mais caricatas e até previsíveis.

Isso porque não há mistério nas intenções dos personagens: os mocinhos vão fazer o certo (porque sim) e os vilões vão tocar o terror (porque sim). O responsável por isso foi o cristianismo medieval, que criou um dos maiores vilões de todos os tempos: o diabo.

“O medo é sempre o primeiro incentivo ao culto religioso”, escreve o alemão Paul Carus no livro The History of the Devil. Assim, ele defende que a presença de uma divindade maligna empurra a pessoa a seguir os valores da religião, sendo que os mitos e as narrativas religiosas sempre vêm acompanhadas de uma moral – uma herança dos gregos.

Jornada do vilão

Walter White

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Vilões não são os protagonistas, esses são os heróis. Isso vale até no mundo real, tanto que temos poucos registros sobre a evolução do conceito de vilão ao longo do tempo. O escritor Christopher Vogler é um dos poucos a ter se aprofundado na análise da narrativa do vilão. Roteirista, ele trabalhou por décadas como consultor para estúdios de Hollywood, como Disney e Warner Bros.

Portanto, para estudar os vilões, ele traçou o caminho inverso: a jornada do herói do antropólogo Joseph Campbell. Para resumir, Campbell percebeu que todos os mitos, em menor ou maior grau, seguem uma série de passos na narrativa do protagonista. Por exemplo, temos o chamado do herói para a aventura, quando o mocinho percebe que precisa agir por alguma razão (o pedido de socorro da Princesa Leia em Star Wars).

Ao analisar essa estrutura narrativa, Vogler selecionou as estruturas que ele acreditava serem mais úteis. Como resultado, publicou um guia chamado A Jornada do Escritor, em que descreve diferentes arquétipos que um personagem pode assumir – todos inspirados em uma faceta da psicologia humana.

Um desses arquétipos é o da Sombra, que representa os sentimentos reprimidos. Sua função é desafiar o herói, logo, o vilão é a sombra. Dessa maneira, no século 20, vilões ganharam mais carisma. “Se gostamos dos vilões, é porque todos nós possuímos uma face sombria, ainda que não a expressemos”, diz Adriana Amaral, que coordena um grupo de pesquisa sobre cultura pop na Unisinos. “Nesses personagens imperfeitos, acabamos enxergando um pouco da nossa personalidade.”

A indústria percebeu essa afinidade e produziu uma série de vilões heroicos. “Do ponto de vista do vilão, ele é o herói do seu próprio mito”, escreve Vogler. Então, o vilão também tem sua própria jornada, porque o público precisa entender suas motivações, sentimentos e ambições, mesmo que não concorde. Até porque, em algum momento, provavelmente iremos nos identificar.

Fonte: Superinteressante

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