Como é crescer em um culto secreto?

Os cultos existem em todas as culturas, desde que existe a humanidade. Pelo visto, é uma necessidade humana esse tipo de tradição, e na maioria das vezes está relacionada a cultos religiosos. Olhando de fora, por não conhecer bem e não estar inserido nessa cultura, muitos podem achar esses cultos um tanto quanto bobos e bizarros.

Diversos cultos surgiram ao longo da História, e seus membros são pessoas, que se misturam, perfeitamente, na sociedade. Os líderes, geralmente, são bastante atraentes, e por isso, conseguem sempre novos membros. Mas, em sua maioria, eles ficam fora dos holofotes. Alguns desses cultos conseguiram ficar bastante mainstream e famosos. Às vezes pelos seus atos de crueldade, ou então por ex-membros que os expuseram.

Quem entra em um culto está exercendo o seu livre arbítrio. Agora pense nascer em um? Esse foi o caso de Verity Carter, que disse que crescer em um culto secreto que encorajava que o contato sexual entre adultos e crianças era “o inferno na terra”. A mulher conta que foi abusada desde os seus quatro anos pelos membro do culto “Children of God”, ou “Filhos de Deus” traduzido, e pelo seu próprio pai.

Em fevereiro de 2018, Alexander Watt foi condenado depois de admitir quatro acusações de abuso sexual de Verity e outra criança em Renfrewshire e na costa leste da Escócia na década de 1980.

“Ele não foi o único que fez coisas comigo quando eu estava crescendo. Eu tive muito pior feito para mim por muitos outros”, contou Verity ao programa Kaye Adams da BBC Escócia.

“Houve um pouco de fechamento nele sendo condenado, mas ao mesmo tempo parecia que eu queria mais”, disse ela sobre a condenação de Watt. Ela também disse que esperava que essa sentença encorajasse outros a se apresentarem para expor as ações do culto na Escócia.

Culto

Rolling Stone

O “Children of God” começou nos Estados Unidos no final da década de 1960. O fundador do culto, David Berg, disse aos membros que Deus é amor e amor é sexo, por conta disso não deveria existir limites, independentemente de idade ou relacionamento.

“Encorajou ativamente as atividades sexuais entre menores de dois ou três anos”, disse Verity.

Esse culto se espalhou, e no fim da década de 1970, afirmou ter mais de 10 mil membros em tempo integral em 130 comunidades ao redor do mundo. Tanto que, além de Verity, os atores de Hollywood, Rose McGowan e Joaquin Phoenix, nasceram no culto.

Quando Verity nasceu, seus pais eram membros ativos do “Children of God”. E além do abuso sexual, a mulher contou que foi repetidamente espancada e chicoteada pela menor das transgressões.

“Tornou-se o inferno na terra para qualquer um que nascesse nele. Aconteceu um passo de cada vez e muitos dos adultos não viram o quão extremo tinha chegado até que fosse tarde demais. Muitos pais saíram e levaram seus filhos junto”, disse ela.

O próprio pai de Verity deixou o culto quando ela tinha aproximadamente nove anos, mas ela e seus irmãos continuaram dentro com a sua mãe. No começo, eles não moravam em uma comuna, mas sim em um pequeno apartamento em Paisley. Contudo, o estilo de vida deles era comunal.

“Não tínhamos contato com o mundo exterior. Não tínhamos música, televisão ou cultura. Não tínhamos ideia de como o mundo funcionava”, contou ela.

Crescimento

BBC

Por mais que Verity e seus irmãos não tenham recebido educação formal, eles aprenderam habilidades de sobrevivência e como manter segredos dos “sistemas” do mundo exterior, principalmente das assistentes sociais.

“Havia consequências pesadas se você não mantivesse aquele sorriso e dissesse as coisas que deveria dizer”, contou.

Além disso, era dito a eles que coisas terríveis iriam acontecer com eles se houvesse má publicidade para o grupo.

“Houve abuso sexual para mim desde os quatro anos de idade, não apenas do meu pai que foi condenado, mas de vários outros membros do culto, alguns relacionados, outros não. Eu não estava confortável com as coisas que estavam sendo feitas para mim, mas se eu fizesse uma pergunta, eu apanhava ou colocava a restrição de silêncio. Fui muito castigada porque nunca consegui parar de fazer perguntas”, lembrou Verity.

Verity diz que viveu em comunas em tempo integral dos 11 ou 12 anos até “fugir” aos 15 anos. Segundo ela, tinha chegado em um estágio que não se importava mais com o que poderia acontecer com ela e se recusava a ser submetida às punições do culto.

“Quando saí foi porque não importava mais se a morte esperava por mim no mundo exterior porque eu já queria morrer, então quão pior poderia ser?”, disse.

Vida fora

The Sun

Fora do culto, ela foi morar com seu pai e gostava do fato de ele estar gastando dinheiro com ela. “Acho que ele estava tentando compensar o passado. Eu o abordei sobre o passado e ele me disse que sentia muito e que tudo se devia aos ensinamentos do culto”, lembrou.

Mas assim que ele invadiu seu espaço, Verity se mudou.

“Havia muito para me acostumar. Eu não sabia de nada. Cometi muitos erros e não fui perfeita. Para ser perfeitamente honesta, por alguns anos eu saí dos trilhos. Eu estava tentando entender todo esse mundo alienígena para o qual eu não estava preparada. Passei anos em níveis significativos de drogas e álcool para tentar apagar meu passado”, contou.

Fonte: BBC

Imagens: Rolling Stone, BBC, The Sun