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Conheça a história de César Lattes, o brasileiro indicado ao Nobel

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César Lattes foi indicado sete vezes ao Nobel de Física. Devido à sua importância para a ciência brasileira, ele foi homenageado com o nome do currículo mais importante para a comunidade científica nacional, o Lattes.

Ele morreu em 2005, sem montar seu Lattes, sem Nobel e sem se importar com essas duas coisas.

O grande feito de Lattes foi descobrir a partícula que mantém o núcleo atômico coeso. No entanto, ele também foi conhecido por suas particularidades: dava aula com seu cachorro, escolheu a carreira pensando nas férias e chegou à velhice acreditando que havia recebido uma carta psicografada de Santos Dumont.

A história de César Lattes

Foto: Acervo Pessoal/ Folha de São Paulo

Cesare Mansueto Giulio Lattes nasceu em Curitiba em 11 de julho de 1924. Ele era conhecido como um playboy assumido e herdou ações e imóveis. Na adolescência, ele escolheu dar aulas no ensino médio porque “professor tira três meses de folga por ano”. Já em relação a escolher lecionar física, foi porque “as outras disciplinas são pura decoreba”, de acordo com uma entrevista à Super em 1997.

O pai, o imigrante italiano Giuseppe, era gerente do Banco Franco-Italiano, sediado na Rua 15 de Novembro. Ele questionou um cientista judeu ucraniano chamado Gleb Wataghin, o que ele podia fazer pelo menino. 

Na época, Wataghin havia acabado de fundar o curso de física da USP. Ele chegou em 1934 junto com outros europeus para estabelecer a ciência de base no Brasil e criar cursos de graduação, como química, física e história natural (biologia).

Vida acadêmica

Foto: Jornal Opção

César Lattes se graduou na USP em 1943, com apenas 19 anos. Ele foi o único formado em física naquele ano, e Wataghin fez dele professor-assistente. 

No porão da faculdade, com os colegas Ugo Camerini e Wataghinho (o filho do professor), Lattes desenvolveu uma câmara de Wilson. 

A criação trata-se de uma caixinha transparente lacrada, saturada com vapor de água que faz surgir uma pequena nuvem lá dentro. Caso uma partícula energizada atravesse a nuvenzinha, ela deixa para trás um rastro de gotículas condensadas. O traçado do rastro identifica a partícula, algumas fazem zigue-zague e outras vão em linhas retas.

Lattes mandou registros de suas trilhas de gotículas para o italiano Giuseppe Occhialini, que havia sido seu professor na USP e agora estava em Bristol, na Inglaterra, e também estava procurando partículas. Occhialini respondeu com imagens de rastros mais nítidos ainda, feitos não com nuvens, mas com placas fotográficas.

Essas placas eram peças de vidro revestidas com uma película de uma substância gelatinosa que possui brometo de prato. Explicando de forma simples, quando o fotógrafo abria o obturador, as moléculas de brometo atingidas pela luz passavam por um processo químico que escurecia a superfície, assim nasceu o negativo.

Os físicos experimentais descobriram que o brometo de prata não reagia apenas aos fótons, que são as partículas de luz, mas também a outras partículas, que deixavam rastros. Após isso, Occhialini convidou Lattes para ir a Bristol.

O brasileiro cruzou o Atlântico no porão do cargueiro Santo Rosário em 1946. Naquela época, Lattes receberia uma bolsa de £ 15 mensais, financiada pela empresa de cigarro Wills, para se unir a Occhialini em um grupo liderado por Cecil Powell. 

A torre do cigarro

O laboratório de Powell ficava no quarto andar de um prédio construído por um filantropo da indústria do tabaco – e apelidado de “torre do cigarro”. No local, o britânico utilizava um acelerador de partículas chamado gerador Cockcroft para colidir nacos de átomos e detectar os subprodutos da colisão usando as placas.

Primeiramente, vale destacar que caso os elétrons, prótons ou núcleos atômicos inteiros com muita energia colidam, eles se estilhaçarão em uma chuva de partículas menores. Esse borrifo subatômico, registrado por uma placa fotográfica, é uma ocasião fértil para descobrir partículas inéditas.

Powell originalmente fazia isso em laboratório, com um acelerador, mas colisões assim também aconteciam no céu, quando as moléculas gasosas da nossa atmosfera levam uma pancada dos chamados raios cósmicos.

Por causa disso, em 1946, Occhialini levou algumas placas para os Pirineus, onde passaria as férias esquiando. A ideia era deixá-las no topo do Pic-du-Midi, com 2.877 metros de altitude, para registrar chuveiro de partículas decorrente da chegada de um raio cósmico à nossa atmosfera. 

Algumas dessas placas tinham sido tratadas com borato de sódio (bórax), uma sugestão de Lattes para fixar melhor os rastros. 

Píon 

Foto: Gustavo Magalhães/ Superinteressante

Quando as amostras com bórax voltaram dos Pirineus, Lattes e Occhialini encontraram rastros para o píon. Duas placas haviam registrado o produto, mas uma delas apenas parcialmente.

Para conseguir registros melhores, Lattes montou as placas por um mês em uma estação meteorológica no Monte Chacaltaya, a 5.000 metros de altitude, na Bolívia. Em 1947 ele tinha 30 placas repletas de píons.

Em 1949, o físico japonês Hideki Yukawa recebeu o Nobel de Física por sua previsão teórica sobre os píons. Já em 1950 foi a vez de Cecil Powell receber a honra pela descoberta experimental de seu laboratório. Lattes e Occhialini foram ignorados pelos suecos. Na época, apenas os líderes do projeto recebiam o prêmio.

Ida aos EUA

Foto: Acervo/ O Globo

Em 1948, Lattes encerrou sua temporada em Bristol e foi para a Universidade da Califórnia em Berkeley, nos EUA, trabalhar com Eugene Gardner, um veterano de pesquisas em energia nuclear, em um acelerador de partículas.

A engenhoca estava em operação havia mais de um ano, mas os experimentos eram ineficazes. Em dez dias, Lattes, com 23 anos, utilizou a sua experiência prévia com fotografias para registrar píons. Foram os primeiros gerados em laboratório, sem a ajuda dos raios cósmicos.

O talento do jovem gerou muita comoção na época. “Uma placa exposta por 30 segundos registrou cem vezes mais mésons pi do que nós obtivemos na Bolívia em 45 dias de exposição”, explicou Lattes na coletiva de imprensa. 

Em 1951, aos 37 anos, Gardner morreu vítima de efeitos colaterais da intoxicação por berílio. A dupla era candidata ao Nobel, mas Lattes, sozinho, não.

Volta de César Lattes ao Brasil

Foto: Gustavo Magalhães/ Superinteressante

Em 1949, Lattes escreveu em uma carta a seu colega José Leite Lopes: “Prefiro ajudar a construir a ciência no Brasil do que ganhar um Nobel”. Nessa época, ele fundou o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq).

Já no ano de 1968, Lattes tinha crises de depressão profundas, seguidas de surtos de produtividade quando disparava telefonemas no meio da madrugada. O grande amor de César Lattes era Gaúcho, um enorme cão perdigueiro que participava de aulas e bancas de doutorado. O animal, inclusive, assistia às aulas do dono.

Depois da USP, Lattes terminou a carreira na Unicamp, no interior de SP. O professor era casado com a matemática pernambucana Martha Siqueira Neto, com quem passou 57 anos e teve quatro filhas.

Fonte: Superinteressante

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