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Conheça a única autobiografia escrita por um ex-escravo que viveu no Brasil

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Se hoje em dia o Brasil é um país livre, é porque muito sangue precisou ser derramado. Houve um tempo por aqui, como todo mundo sabe, em que os negros eram escravos e, tratados pior que animais, viviam em senzalas, com pouca ou quase nenhum qualidade de vida, muitas vezes passando fome e sofrendo violências de todas as naturezas ao longo de toda suas vidas. Essa foi a escravidão, que foi imposta aos africanos capturados em suas próprias terras e trazidos à força ao que era chamado de “Novo Mundo”.

Embora as pessoas estudem sobre esse período da história e tenham consciência do mal que fizeram a homens e mulheres de cor, tudo é contado de uma forma polida e relatado nos livros de História por pessoas de fora do processo, que simplesmente estudaram essa época obscura de nosso país (mas que também foi repetida em vários lugares do mundo). A verdadeira face disso tudo, como você vai ver hoje, é muito mais triste e feita, quando vista e relatada por uma pessoa que viveu a escravidão da pele e que passou por tudo que esse regime poderia oferecer de ruim.

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Essa visão realista da história, aliás, é possível ser conhecida por meio de um livro chamado Biography of Mahommah G. Baquaqua” (“Uma interessante narrativa: biografia de Mahommah G. Baquaqua”, em tradução livre), lançado em inglês mesmo, pelo escravo que dá nome à obra. E, embora quase ninguém conheça a trajetória desse personagem por aqui, ele foi ao único negro escravo a viver no Brasil, no século 19, que escreveu uma autobiografia, contando desde sua infância, até o dia em que viajou em um navio negreiro e, finalmente, se viu livre nos Estados Unidos.

Esse livro, pouco conhecido pelos brasileiros, assim como Baquaqua; acabou de ser traduzido para o português e, segundo estimativas, deve chegar ao país até o final do ano que vem. Essa será a primeira vez que relatos em nossa língua vão mostrar como era ser escravo aqui, sob a perspectiva do próprio escravo.

A vida de Mahommah Baquaqua

“Que aqueles ‘indivíduos humanitários’ que são a favor da escravidão se coloquem no lugar do escravo no porão barulhento de um navio negreiro, apenas por uma viagem da África à América, sem sequer experimentar mais que isso dos horrores da escravidão: se não saírem abolicionistas convictos, então não tenho mais nada a dizer a favor da abolição”. Essa é uma das passagens mais marcantes do livro do escravo, que narra um pouco do que foi viajar em um navio negreiro onde, por dias, ficou nu, quase sem água ou comida, amarrado e em uma completa escuridão, sem nem conhecer o que o destino estava lhe preparando.

Mas, antes de chegar em terra tupiniquins, Baquaqua vivia em Dijougou, onde hoje é o Norte do Benim. Filho de comerciante, o menino que nasceu em 1820, cresceu e chegou a estudar, aprendendo a ler (para estudar o Alcorão) e a fazer contas matemáticas. Depois de adulto, ele seguiu a profissão do pai, viajando seu continente vendendo especiarias. Foi em uma dessas viagens, aliás, que ele foi capturado e colocado a venda, como escravo.

Antes de ser vendido, no entanto, seu irmão o comprou de volta e ele ficou livre… mesmo que por pouco tempo. Isso porque Baquaqua tentou roubar bebida alcoólica perto de sua cidade (o que é considerado quase um pecado capital para o islamismo) e acabou preso novamente. Mas dessa vez a sorte não foi tão boa com o homem e ele foi mandado direto para o Brasil.

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Desembarcando em Pernambuco, em 1845, Baquaqua foi levado para a lavoura, nos arredores de Olinda. No começo, como conta em sua biografia, ele tentou até ser um bom escravo, mas como era tão mal tratado quanto os outros, resolveu se encher de álcool e não ligar mais para as tarefas que precisava desempenhar.

“Meus companheiros não eram tão constantes quanto eu, sendo muito dados à bebida e, por isso, eram menos rentáveis para o senhor. Aproveitei disso para procurar elevar-me em sua opinião, sendo muito prestativo e obediente, mas tudo em vão; fizesse o que fizesse, descobri que servia a um tirano e nada parecia satisfazê-lo. Então comecei a beber como os outros e, assim, éramos todos da mesma laia, mau senhor, maus escravos.”

Do Rio a Nova York e à liberdade

Vendido, Baquaqua foi para a então capital do império, o Rio de Janeiro. Lá, trabalhou dentro de um navio especializado no comércio de charque entre o Rio Grande do Sul e a Corte, aproveitando seu conhecimento (raro entre os escravos da época) em literatura e história.

E, foi durante uma encomenda de café, levada a Nova York, que a vida de Baquaqua começou a mudar. Isso porque os Estados Unidos já viviam um período abolicionista, o que acabou arrebatando o coração do escravo. Ele então, tentou fugir do navio ao desembarcar na capital americana, mas logo foi preso.

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Pessoas envolvidas com o movimento abolicionista, então, libertaram Baquaqua que não perdeu tempo e escapou para o Haiti, onde viveu por dois anos. Só em 1850 o personagem voltou aos Estados Unidos, já liberto e convertido ao cristianismo, onde frequentou aulas de inglês por outros três anos no Central College, na antiga região de MacGrawville, hoje em dia parte da cidade de Nova York.

O auge da vida de Baquaqua, com certeza, foi o lançamento de seu livro, que aconteceu em Detroit, na tentativa de levantar fundos para a campanha abolicionista. Sua história escrita, aliás, o levou até Liverpool, em 1857, onde os historiadores perdem as pistas do valente escravo Mahommah Gardo Baquaqua.

Nos vídeos que você vai ver abaixo, você vai conferir um documentário feito especialmente sobre a vida de Baquaqua, o único escravo que viveu no Brasil a escrever uma autobiografia:

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