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O misterioso e polêmico chinelo no Museu do Ipiranga

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O objeto é feito de borracha e os contornos carcomidos lembram o pé esquerdo de um ser humano. Da espuma da base, três tiras resistentes saltam, adornadas com pequenos traços geométricos em relevo. Um dia, elas estavam dispostas como a letra V. Nas laterais e na forquilha, o artefato misterioso apresenta uma cor incerta, parecendo ser azul ou verde-escuro. Uma face é amarela e a outra é cinza, mas suas cores podem ter sido diferentes no passado. Com tudo isso, especialistas garantem: é um chinelo de dedo.

O modelo do calçado é tão característico que se parece com as clássicas Havaianas, marco brasileiro desde 1962, fabricadas pela Alpargatas. Para criar o chinelo, a marca se inspirou nas antigas zōri, sendo estas as sandálias usadas com quimonos e outras vestimentas tradicionais japonesas.

Naquele mesmo ano, surgiram os primeiros anúncios publicitários para o calçado, prometendo “beleza, conforto e resistência” para famílias de classe média, curtindo a companhia um do outro na beira de piscinas ou na frente de televisores.

No entanto, o chinelo não ficou entre as pessoas de classe média. Isso porque o uso rapidamente se estendeu à vida pública e ao trabalho braçal, o que também impactou na criação de imitações de preço inferior e procedência duvidosa. Esse é o caso desse chinelo em especial, que levantou diversas dúvidas desde sua localização.

O chinelo

A sola gasta, com um prego enferrujado sustentando uma extremidade de uma das tiras, é um marcador socioeconômico. Isso porque, embora o produto já tenha chegado ao seu fim, o dono evitou a aquisição de um novo par. Foi usando esse chinelo remendado que a pessoa se dirigiu ao Museu Paulista da Universidade de São Paulo (USP), conhecido como Museu do Ipiranga, por conta da sua localização no bairro homônimo da zona sul.

Porém, o homem não estava visitando em um passeio. Ele era um operário e trabalhava efetuando alguns reparos nas acomodações internas da instituição. Então, no final do expediente, ele voltou para casa descalço.

Assim sendo, seu chinelo foi localizado. Ele estava no pavimento D, entre as vigas do torreão central, que é uma espécie de passagem improvisada pelo forro do edifício, atualmente em reforma. Ninguém sabe exatamente por quanto tempo aquele chinelo perdido permaneceu ali.

Um passado enterrado

museu paulista

HELIO NOBRE

O início das obras se deu há cerca de três anos e, desde então, cerca de 1.250 artefatos foram encontrados no museu assim como seus arredores. Em quase todos os casos, os objetos aparecem debaixo da terra, enquanto se remove árvores e pisos para a instalação de encanamentos ou fiações elétricas. Porém, o chinelo foi uma exceção, tal como as garrafas, o cálice e o cachimbo que foram encontrados num vão entre dos andares.

“Até onde sabemos, esses contrapisos nunca haviam sido retirados”, afirma Renato Kipnis, diretor da Scientia Consultoria Científica, empresa responsável pelo monitoramento arqueológico das obras. “São artefatos que remontam à construção do museu, no final do século 19. Naquela época, acho que os chinelos de borracha ainda não eram produzidos, né?”

Kipnis segue uma série de normais legais. O decreto-lei nº 25, promulgado por Getúlio Vargas em 1937, lança definições sobre o patrimônio histórico brasileiro e estabelece critérios para seu tombamento. Já o artigo 225 da Constituição Federal, de 1988, exige que obras potencialmente causadoras de “significativa degradação do meio ambiente” tenham seus impactos avaliados em estudos prévios.

Projetos maiores, como a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, são executados somente após a emissão dos diagnósticos. Já no caso do Museu Paulista, estudos e obras ocorrem de forma simultânea.

“Nosso cotidiano é este”, explica à BBC News Brasil. “Chegar pela manhã, ficar até o final da tarde e acompanhar a abertura dos pisos. Do asfalto, do concreto e da terra podem sair bens culturais. Quando isso acontece, se paralisa a obra, e a gente toma as devidas providências”.

Ponto de partida

No caso do chinelo, Kipnis explica que é um ponto de partida. “Tudo depende das perguntas que fazemos ao objeto”, diz. “A partir delas, alcançamos um outro patamar de análise, que consiste em integrar esse chinelinho a um sistema maior de documentos, em busca de interpretações mais consistentes”.

Fonte: BBC

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