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Pedagoga demitida após levar noiva para confraternização decide trabalhar por direitos LGBTQIAP+

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A pedagoga Aniely Mirtes foi surpreendida com o comunicado de demissão que recebeu enquanto trabalhava em uma escola particular e tradicional de João Pessoa. Ela recebeu a notícia logo após participar de uma confraternização de fim de ano entre os funcionários, como muitas empresas fazem. Também como é de costume, Aniely levou sua noiva e afirma que a homofobia foi o motivo da demissão. Hoje, ela trabalha em prol dos direitos LGBTQIAP+.

Lésbica, preta e casada, é por causa de episódios que a pedagoga passou que ela decidiu  lutar em prol dos direitos: “dessa forma, eu procuro superar como meus direitos foram e são violados”. Assim, Aniely, aos 42 anos, tem dois filhos LGBT e atua como agente de direitos humanos em um dos Centros Estaduais de referência para a população LGBTQIAP+, o Espaço LGBT Pedrinho, em João Pessoa.

“Hoje eu tento me esforçar para que essas experiência que sofri de lesbofobia, e no meu caso enquanto mulher negra até racismo também, eu procuro convertê-las nessa garra de trabalhar com essas pautas e na defesa da garantia de direitos a essas pessoas”, explica.

Dia Internacional de Combate à Homofobia, Bifobia e Transfobia

No dia 17 de maio, comemora-se o Dia Internacional de Combate à Homofobia, Bifobia e Transfobia. Isso porque, nessa data, marca-se a exclusão do termo “homossexualismo”, que tem uma conotação de doenças, da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 17 de maio de 1990.

Apesar dos avanços na sociedade, pessoas LGBT ainda sofrem represálias por suas identidades e orientações. Dessa forma, profissionais LGBT ainda sentem que expor identidade ou orientação no ambiente de trabalho afeta suas carreiras negativamente. Além disso, 38% das empresas ainda impõem restrições para contratar LGBTQI+.

“Na fase contratual, são comuns perseguições, humilhações e assédios a LGBTS, muitas vezes, culminando com pedidos de demissão por não suportar o ambiente tóxico”, disse o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT-PB), Eduardo Varandas.

“Vou ter que te demitir”

Aniely Mirtes/Redes sociais/Arquivo pessoal

A confraternização da escola em que Mirtes trabalhava aconteceu em 2018 e a recomendação foi simples: todos os funcionários poderiam levar acompanhantes, desde que fossem os noivos/noivas ou esposos/esposas.

“Foi até cômico porque nós noivamos exclusivamente para eu poder levá-la, então botamos cada uma uma aliança na mão direita, já que o grau de parentesco tinha que ser de noiva pra casada, não poderia ser namorado ou namorada”, relembra a pedagoga.

Quando Aniely chegou na festa, logo ela percebeu olhares e burburinhos. Ela também recebeu as clássicas perguntas constrangedoras que as lésbicas ouvem constantemente: “ela é sua prima? sua amiga? sua irmã?”

No entanto, Mirtes se manteve firme e respondeu abertamente que ela havia levado sua noiva, afinal, estava no seu direito. “Estávamos com alianças reluzentes e realmente não estávamos escondendo a ninguém”, ela conta.

O constrangimento não acabou com a festa. Isso porque, nas semanas seguintes, ela teve de aguentar as mesmas perguntas: quem era aquela mulher que ela havia levado para a festa. A pedagoga relata que sentiu a ironia na pergunta diversas vezes e sabia que ela estava sendo feita com a intenção de constrangê-la.

Demissão

Então, no final de semana, veio a surpresa. Ao receber seu pagamento do mês trabalhado, Mirtes recebeu um chamado da diretoria e, sem nenhuma reclamação ou aviso, foi demitida.

“Professora, eu não tenho nada contra a senhora, mas eu vou ter que te demitir porque eu recebi aqui uma recomendação de que eu lhe demitisse”, disse Mirtes, relatando as palavras do diretor da escola.

No mesmo momento, ela teve a certeza de que a sua orientação sexual foi o motivo da demissão, uma vez que não houve nenhuma chamada de atenção pela empresa, por nenhuma questão.

“A gente sabe que a LGBTfobia tem suas nuances, seus desdobramentos e com cada letra do segmento existem especificidades também nas práticas das violências. Me senti realmente violentada do meu direito enquanto mulher lésbica, tendo sofrido violência simbólica, que também se desdobra na violência psicológica”.

LGBTfobia na escola

De acordo com a pedagoga, o ambiente de escola privada é muito preconceituoso e, além disso, muitas empresas não se dispõem a contratar pessoas LGBT+. Porém, ela não formalizou a denúncia por saber que se tratava de uma violência simbólica. Nesses casos, não há provas materiais e nem testemunhas que falariam sobre.

Por essa mesma razão, muitos casos de violência são encobertos. De acordo com Eduardo Varandas, o Ministério Público do Trabalho enfrenta dificuldades nesse tipo de investigação.

“Primeiro, as próprias vítimas não querem denunciar. Segundo, quando há a denúncia, é difícil provar a questão, principalmente na fase pré-contratual, já que não se expõe o motivo da não contratação. Depois, há dificuldades de apresentar testemunhas para comprovar o fato discriminatório”, explica.

Vale destacar que é de extrema dificuldade encontrar estatísticas sobre violência contra a comunidade LGBT+ que não sejam crimes violentos letais e intencionais (CVLI).

“Mesmo com todo esforço dedicado à elaboração de bancos de dados e relatórios, os números de assassinatos que temos hoje em nosso Estado ainda são subnotificados, seja pela falta de informações, seja pela invisibilidade dada a tantos casos”, disse a Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (SEMDH-PB) em nota.

Luta diária

Daniel Peixoto/G1

Hoje, Mirtes não só trabalha como coordenadora estadual como também trabalha no empoderamento feminino e LGBTQIA+ e na difusão da cultura afro-brasileira com o Grupo Mulheres Lésbicas e Bissexuais Maria Quitéria. Ela também é presidenta municipal do Conselho de Direitos LGBT.

Aniely conta que sofre julgamento por sua estrutura familiar. “Porque se um filho de uma lésbica der, conforme o julgamento da sociedade, para o que ‘não presta’ é porque eram filhos de lésbicas. Nós não temos uma família que é 100%; que aceita. Então, tem também membros da família que culpam: ‘ah o filho é gay porque a mãe é lésbica, ah a filha agora é sapatão porque o exemplo que tem em casa é de uma mãe lésbica’. Então, é uma relação que parte do principio que o preconceito é algo que vamos ter que lidar pro resto da vida”.

A pedagoga também conta que é necessário lutar para além das redes sociais. “A gente tenta passar para nossos filhos que a sociedade não é tão arco-íris como pintam nas redes sociais, mas que a realidade é bem diferente (…) foi por essa e outras injustiças que sofri e sofro até hoje que para mim é tão importante atuar profissionalmente na defesa dos direitos das classes sub representadas. A meu ver, só há conquista de direitos se houver conquista de espaço”, disse.

Fonte: G1

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