O filme Elvis, do cineasta australiano Baz Luhrmann, é um retrato sobre a vida e a época de Elvis Presley. A história é contada a partir da perspectiva do empresário de Elvis, o “coronel” Tom Parker, interpretado por Tom Hanks.
Parker é apresentado como um narrador não confiável, que ajudou Elvis a sair da pobreza para se tornar o “rei do rock”. Parker é um empresário experiente que, ao lado de Sam Phillips (Josh McConville) da Sun Records, acredita que Elvis pode ser um músico que levará o rock, um som presente em clubes underground negros, para o mainstream americano.
A cinebiografia “Elvis”
Elvis era conhecido por ser um cantor branco que “soava como negro”. Alguns críticos da época apontavam que ele usava algumas técnicas de performance de músicos negros, como por exemplo, seus quadris giratórios. Austin Butler é o responsável por mostrar essas performances no cinema.
O filme também mostra a ascensão do cantor e Parker pegando metade de seus ganhos e sendo rápido em evitar possíveis problemas.
No entanto, a cinebiografia não se aprofunda no relacionamento de Elvis com Priscilla Presley, concentrando-se em sua carreira e seu relacionamento com a comunidade negra.
Relação de Elvis com a comunidade negra
Elvis nasceu e cresceu no bairro majoritariamente negro de Tupelo, no Estado americano do Mississippi. O músico cresceu cercado de negros e quando se mudou para Memphis, no Estado do Tennessee, começou a fazer covers de black music.
Ele era amigo do cantor e compositor de blues BB King, interpretado no filme por Kelvin Harrison Jr.
Nesse cenário, de acordo com matéria da BBC, o filme aponta que Elvis foi fundamental para ajudar os negros a obter direitos iguais nos EUA. Isso foi feito através da narração de Parker, que atua como porta-voz de uma ideia formulada por Michael T Bertrand no livro Race, Rock and Elvis.
Bertrand argumenta que, cantando músicas que antes eram atribuídas a músicos negros, Elvis ajudou os sulistas brancos a repensar sua atitude em relação à raça.
Para ele, o rock e Elvis “introduziram um público e um grupo maior de pessoas a uma cultura que estava por trás do véu da segregação. Abriu a sociedade de uma maneira positiva”.
No entanto, Bertrand acredita que a contribuição de Elvis foi realizada através de suas ações, e não por meio de qualquer grande declaração pública.
“Nos anos 1950, muitos artistas de rhythm and blues disseram que estavam felizes por Elvis ter aberto as portas porque a música se tornou acessível. A questão era que, por ser branco, ele tinha acesso a casas de shows que alguns de seus colegas e contemporâneos não tinham.”
Apropriação?
Por outro lado, críticos apontam que Elvis se apropriou da música negra.
Uma crítica sobre Elvis em relação à raça pode ser encontrada na letra de Fight the Power, do grupo Public Enemy. Um trecho da letra pode ser traduzido assim: “Elvis foi um herói para a maioria, mas ele nunca significou merda nenhuma para mim. Um verdadeiro racista aquele otário, simples assim.”
Chuck D, do Public Enemy, um popular músico e letrista negro, justificou a letra em várias ocasiões. Ele aponta que o racismo mencionado em seu rap está em outro lugar, no racismo sistêmico da indústria da música, em que a cultura negra é repaginada e vendida ao público de uma forma que esconde suas raízes negras.
No documentário de 2017 de Eugene Jarecki, The King, o letrista do Public Enemy disse:
“Sam Philips era um empresário. Ele tentou vender estes discos com negros e não conseguiu. Ele encontrou alguém para vender um som negro para rostos brancos, ele sabia o que vender para os EUA. Isso não é um problema. A cultura deve ser compartilhada. O que me deixa ofendido é que Elvis não era mais rei do que Little Richard, Bo Diddley e Chuck Berry. Então, quem o está consagrando rei?”.
Para alguns, isso faz de Elvis o rei da apropriação. Inclusive o artigo de Helen Kalowole no jornal britânico The Guardian, He Wasn’t my King, afirma que a brancura de Presley fez com que ele ficasse famoso e rico cantando músicas que não eram ouvidas quando cantadas por negros que as originaram.
Michael Bertrand aponta que:
“A indústria da música era extremamente discriminatória. Eles entendiam que havia adolescentes brancos e negros ouvindo rhythm and blues, e eles estavam procurando um rosto branco para atrair um público mais amplo, e foi Presley. Quando Elvis entrou em um estúdio de gravação, ele não escrevia suas próprias músicas, ele basicamente queria gravar tudo no rádio que ele gostava.”
Rompendo barreiras?
O jornalista e apresentador Jonathan Wingate visitou Tupelo, onde Elvis passou os primeiros anos de sua vida, e afirma que conversou com várias pessoas.
“Uma delas era Sam Bell, seu melhor amigo até deixar Tupelo, que me disse que Elvis não era racista.”
Wingate disse à BBC que acredita que tudo se trata da percepção cultural da época que Elvis viveu.
“Quando ele apareceu pela primeira vez nas ondas do rádio, foi ao mesmo tempo em que todas as campanhas contra a segregação racial no sul dos Estados Unidos estavam explodindo em todos os lugares. Elvis não poderia ter existido sem o blues, o rhythm and blues e a música gospel. Mas se você chama isso de apropriação cultural — ou acredita que apenas teve uma influência inabalável no estilo de Elvis — está em debate.”
Filme enaltece papel de Elvis no movimento dos direitos civis
Wingate ainda afirma que consegue entender por que o filme enaltece o papel de Elvis no movimento dos direitos civis, mesmo que o cantor não fizesse isso com tanta ousadia. Além disso, para Wingate, Elvis fez o máximo que era possível para ele na época.
“Meu palpite é que ele não tinha consciência política… Pessoas como Tom Parker não o deixariam fazer isso, pois seria visto como subversivo demais.”
Le Gendre acredita que ter impacto não é suficiente para ser exaltado como herói dos direitos civis.
“Tenho dúvidas sobre seu papel no movimento pelos direitos civis. A indústria tem uma longa história de encontrar rostos brancos para reembalar rostos negros para o mainstream, o que acontece ainda hoje. O uso da música negra com rosto branco é apenas como o comércio funciona”, argumenta Le Gendre.
“É concebida para que as pessoas se divirtam, gastem dinheiro, dancem. Depois vão para casa. Não vão a passeatas ou tentam mudar os EUA.”
De acordo com matéria da BBC, Presley mostrou seu apoio a artistas e causas negras.
Ele participou, por exemplo, do Goodwill Revue de 1956 em Memphis, o concerto beneficente anual da estação de rádio WDIA para ajudar as crianças carentes da cidade.
Entre as atrações, todas negras, estavam nomes como BB King e outras grandes estrelas da época. Presley apoiou dos bastidores e quando convidado ao palco, saudou o público.
Para BB King, a presença de Elvis no espetáculo disse tudo: “Acredito que ele estava mostrando suas raízes. E ele parecia orgulhoso dessas raízes”, afirmou.
Fonte: BBC