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Você sabia que o cristianismo já foi proibido no Japão?

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Em Nagasaki, no Japão, há centenas de anos, um grupo de pessoas foi torturado e forçado a esconder suas crenças. 

Funcionários do governo, enviados especialmente para a ocasião, chamavam o nome de pessoas cristãs e mandavam que elas pisassem na imagem de Jesus Cristo na Cruz.

Se o indivíduo fizesse assim, seria declarado publicamente que abriu mão da fé, e ele viveria. Caso o contrário, ele poderia ser executado, crucificado ou torturado, mergulhado em água fervente ou botado de ponta cabeça em uma cova com excrementos. Além disso, qualquer sinal de hesitação poderia custar a vida.

A prática de andar sobre imagens cristãs, conhecida como fumie, era comum em Nagasaki no século 17.

A “Roma do Japão”

Foto: Getty Images

Nagasaki foi apresentada ao Cristianismo por volta de 1560, época em que missionários jesuítas de Portugal começaram a chegar ao Japão. Na época, o império português era um dos maiores do mundo, englobando territórios em diversas partes da Terra, incluindo o Brasil.

Os missionários convenceram os senhores feudais da região a se converterem ao cristianismo, por meio de possíveis apoios comerciais. Muitos camponeses que trabalhavam para esses senhores feudais também foram influenciados a se tornarem cristãos. No começo do século 17, a cidade havia se tornado a “Roma do Japão”.

“Nagasaki basicamente se consolidou como uma cidade cristã com paróquias”, explica Kiri Paramore, professor de estudos asiáticos da Universidade Nacional da Irlanda. “Nenhum outro lugar (do Japão) era tão cristão quanto Nagasaki.”

Durante o auge do movimento, mais de 500 mil pessoas em Nagasaki se identificavam como cristãs. No entanto, com o passar do tempo, as autoridades políticas do Japão decidiram que o rápido crescimento da religião ameaçava o governo central e decidiram reprimir. 

“Eles queriam se livrar do Cristianismo, mas também remover os estrangeiros, (vistos) como uma ameaça política à segurança do Estado. Então, as duas coisas estavam relacionadas”, diz Paramore.

Na última metade do século 16, 26 missionários em Nagasaki foram executados por crucifixação. Isso marcou o começo da perseguição contra os cristãos.

No ano de 1614, o Cristianismo foi banido do país. Missionários estrangeiros foram expulsos, e os que se recusaram a deixar o Japão foram presos, mortos ou forçados a abrir mão da religião. Nessa época, a nação governada pelo xogunato Tokugawa entrou em um período de isolamento, cortando laços com diversos outros países do globo.

Torturas 

Foto: Getty Images

Nos anos de 1620, as autoridades consideraram que não era o suficiente expulsar os líderes religiosos, eles também queriam arrancar a religião dos corações das pessoas. A solução encontrada foi o fumie. Essa era uma imagem entalhada, geralmente em painéis de madeira, retratando Jesus ou Maria. Todos os moradores de Nagasaki receberam ordens de pisar no fumie. A prática era realizada no começo de cada ano.

“Era uma obrigação, os plebeus, os samurais, os monges budistas, até pessoas doentes não podiam perder — as autoridades levavam os painéis de madeira para as casas delas. Cada pessoa tinha de fazer isso”, explicou à BBC Martin Ramos, professor de estudos japoneses da Escola Francesa do Extremo Oriente.

O especialista acrescenta que na época os cristão levavam muito a sério as imagens e as pessoas rezarem em frente à imagem de Maria e Jesus. “Muitos pensavam que parte de Deus estava dentro da imagem. Era um elo com o divino. Para eles, caminhar em cima disso era algo muito temerário.”

No entanto, muitos acabavam cedendo e pisando no fumie. “Se você examina um fumie original de perto, um detalhe contundente é que a face de Cristo se gastou completamente, (lembrando) os incontáveis pés que pisaram nele”, informa o professor Simon Hull, especialista em catolicismo japonês na Universidade Católica Junshin Nagasaki.

Os cristãos que se recusassem a andar no fumie eram mortos ou torturados. “Eles às vezes os torturavam pendurando-os sobre uma cova cheia de excrementos. Eles cortavam fendas nas suas têmporas para aliviar (a pressão) para que eles não morressem”, acrescenta Paramore.

Crueldade e penitência

Foto: Getty Images

O principal objetivo dessa tortura era “quebrar a convicção” de quem se recusava a pisar no fumie. Inclusive, às vezes um médico estava presente para quando um cristão estivesse quase morrendo, ele seria poupado até se recuperar, para voltar a ser torturado logo em seguida.

Aproximadamente 2 mil pessoas morreram recusando abrir mão da fé. Outros fingiam renunciar à fé, mas continuavam a ser cristãos em segredo. De acordo com Hull, esse segundo grupo voltava para casa e implorava para Deus os perdoar.

“Em uma comunidade, eles até queimavam sandálias que haviam usado, misturando as cinzas com água antes de bebê-la como expressão de sua profunda penitência.”

Eles acabaram conhecidos como Kakure Kirishitan, ou cristãos escondidos. “Essas pessoas continuavam praticando em segredo coisas como o batismo, ou davam a seus filhos nomes portugueses secretos, como Paulo, Maria e Isabela. Eles celebravam o Natal, a Páscoa”, informa Ramos.

Além disso, eles acrescentaram elementos do Japão em suas práticas, para não serem descobertos. Mark Mullins, professor de estudos japoneses da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia afirma que eles usaram divindades japonesas, como a deusa Kannon, que eram usadas para representar a Virgem Maria.

“Por mais de 200 anos, eles não tiveram contato com missionários (estrangeiros). Então se tornou uma religião muito local, algo passado entre gerações”, diz Ramos.

O fim da proibição do cristianismo no Japão

Foto: Getty Images

Apenas no fim do século 19, o Japão decidiu abrir suas fronteiras outra vez. Em 1858, a prática do fumie foi abolida de Nagasaki. No ano de 1873, a proibição ao cristianismo no Japão foi abolida.

“Quando o Japão voltou a abrir suas fronteiras, cerca de 20 mil cristãos reapareceram e deixaram de se esconder”, explica Mullins. “Nesse sentido, as políticas (do fumie) foram eficientes. Passou-se de cerca de 500 mil para 20 mil cristãos.”

Atualmente, aproximadamente 1% dos 126 milhões de japoneses são cristãos. A comunidade cristã de Nagasaki continua sendo uma das maiores do país.

“Um dos paradoxos da história do cristianismo japonês é que se todos os católicos japoneses se recusassem a pisar no fumie e, em vez disso, decidissem morrer como mártires, o Cristianismo no Japão também teria morrido”, destaca Hull.

O especialista afirma que o cristianismo sobreviveu no Japão porque algumas pessoas decidiram pisar no fumie, mesmo com a crença de que essa ação era pecaminosa.

Fonte: BBC

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