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Como as mulheres escravizadas davam à luz no Brasil?

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Em 28 de setembro de 1971, foi promulgada a Lei do Ventre Livre, tornando livre todos os filhos de escravas após sua promulgação. As escravizadas grávidas estavam sujeitas a violências terríveis: a tortura, a exaustão pelo trabalho, um resguardo mínimo, com frequência de apenas três dias, com a possibilidade de separá-las dos filhos recém-nascidos.

A história dessas mulheres foi contada por diversos pesquisadores. Uma delas é a historiadora Lorena Féres da Silva Telles, que mergulhou em arquivos de jornais publicados entre 1830 e 1888 e encontrou o anúncio de 132 mulheres escravizadas que fugiram grávidas.

Esses dados, em conjunto com informações colhidas de periódicos médicos e teses das faculdades de Medicina, ajudaram-na a entender a relação entre maternidade e escravidão na cidade do Rio de Janeiro no século 19.

“A partir desses textos, você tenta extrair a perspectiva delas. Os ecos através da documentação — esse é o ofício da historiadora ali, né? Pegar fontes históricas, porque elas não escreveram a próprio punho, e encontrar os projetos, os desafios, as experiências, as visões de mundo, as atitudes, as agências delas”, explica a pesquisadora.

Dando à luz no cafezal

FOTO: THE NEW YORK PUBLIC LIBRARY

Até o começo do século 20, a maioria dos partos no Brasil era realizado em casa, por parteiras ou por mulheres sem treinamento técnico, mas com grande conhecimento empírico.

“Isso valia tanto para as ‘senhoras’ quanto para as mulheres escravizadas; para as que moravam na cidade ou nas fazendas”, explica Cassia Roth, professora.

As mulheres escravizadas eram levadas ao limite nos trabalhos forçados. Isso foi registrado pelo viajante francês Charles Ribeyrolles, que em 1858 assistiu com perplexidade mulheres grávidas dar à luz trabalhando na colheita de café na Paraíba.

Nessa mesma época, o médico Antonio Ferreira Pinto escreveu que era comum que muitas mulheres escravizadas entrassem em trabalho de parto no serviço ou a caminho dele, com frequência carregando pesados cestos na cabeça.

Além disso, os longos períodos de trabalho em pé chegavam a prejudicar o desenvolvimento do útero.

“E mesmo os trabalhos considerados menos pesados do ponto de vista do esforço físico eram também muito complicados e difíceis, como o das mucamas e das costureiras, porque elas ficavam muito cerceadas e reclusas dentro das casas e, ali, sujeitas a assédios, abusos e violências por parte da ‘senhora’ e do ‘senhor'”, acrescenta a historiadora.

Roth aponta que no Brasil o mais comum era que os partos acontecessem nas senzalas e que as mulheres fossem auxiliadas por outras escravizadas.

Tanto nas fazendas quanto nas áreas urbanas, o tempo de resguardo era mínimo. Os relatos de viajantes apontam que elas costumavam estar de volta ao trabalho apenas três dias depois de dar à luz.

Como o sistema escravista moldou a obstetrícia no Brasil

FOTO: BIBLIOTECA NACIONAL

O século 19 foi um período em que a ginecologia e a obstetrícia se consolidaram como campos da Medicina no Brasil. Nesse momento de transição, alguns médicos em formação praticavam nos corpos das escravizadas.

No entanto, Roth afirma que não encontrou evidências de que eles submetessem essas mulheres a experimentos científicos.

“Não se pode dizer, a partir dos documentos, se esse tipo de experimentação aconteceu ou não no Brasil. Mas houve, sim, um outro tipo de experimentação que também é perversa… é horrível ler esses relatos um após o outro”, afirma ela, referindo-se aos periódicos médicos.

Um deles cita uma palestra em 1856 no auditório de anatomia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em que se apresentava o caso de uma “preta” sem nome que morreu durante o parto. O médico, sem prática no uso da pinça usada para puxar o bebê, teria o aplicado com tanta força que “se rasgara a vagina e exercera-se uma compressão tão forte sobre o colo do útero que esse se achava bastantemente equimosado”. A pesquisadora conta que logo após isso a mulher morreu.

Na maioria dos casos retratados, era mostrada uma ideia de que as mulheres negras tinham um nível de tolerância maior à dor.

“Acho que a ideia de que as mulheres negras suportam mais dor ainda existe na profissão médica no Brasil. A mesma coisa nos Estados Unidos”, ressalta Roth.

As mães escravizadas e os bebês brancos

FOTO: ACERVO FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO/MIN. DA EDUCAÇÃO

Antes da abolição da escravatura em 13 de maio de 1888, foi implantado no Brasil um conjunto de leis abolicionistas. Houve a proibição do tráfico negreiro em 1850, e, em 1871, a Lei do Ventre Livre, considerava libertos todos os filhos de mulheres escravizadas nascidos depois da promulgação.

Esse fim lento do regime escravista brasileiro teve efeitos negativos para as mulheres escravizadas. Um deles foi o “mercado” de amas de leite que há décadas dava lucro aos “senhores” em cidades como Rio de Janeiro, Salvador e Recife.

Esse mercado acabou se tornando lucrativo após a proibição do tráfico. Com a redução do número de escravizadas urbanas, o valor pago pelas amas de leite aumentou.

“E aí entra um traço muito cruel: as classes médias e as elites preferem pagar o dobro ou o triplo do preço da mulher escrava sem o seu bebê”, relata Telles.

Dessa forma, as mães eram separadas, temporária ou permanentemente, dos recém-nascidos, para que os bebês brancos não disputassem atenção com seus filhos.

Antes da Lei do Ventre Livre, os “senhores” tinham um incentivo econômico para manter os recém-nascidos vivos, já que eles nasciam escravos

“Depois de 71, quando as crianças não vão ser mais escravizadas, elas começam a ser largadas na rua, nas praias, na Roda dos Expostos.”

A historiadora aponta que muitas parteiras faziam os partos das mulheres escravizadas em suas próprias casas, chamadas de “casas de maternidade”, e já se encarregavam de sumir com os bebês e alugar as mulheres.

Por isso, o número de crianças na Roda dos Expostos, ligadas às igrejas e instituições de caridade, que recebiam recém-nascidos abandonados, cresceu na época.

Por isso, os especialistas apontam que muitas das mulheres escravizadas decidiram fugir por questão de sobrevivência do filho e para não serem torturadas.

Fonte: BBC

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