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Como negros estão resgatando suas raízes na ‘Suíça da América Latina’

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Atualmente é uma coisa comum ouvir o som de batuques nos fundos de alguns quintais uruguaios. Esses sons vêm dos três tambores, conhecidos como “chico”, “repique” e “piano”, que integram o candombe, um ritmo de origem africana que se expandiu no Uruguai através dos descendentes negros simbolizando as raízes do continente africano no país.

Mesmo que o Uruguai tenha mais orgulho de uma outra ascendência, a europeia, tanto que já chegou até a ser chamado de “Suíça da América Latina”, tendo 90% da população se declarando como branca segundo o último censo nacional, as marcas da África estão presentes.

Elas são vistas na fé nos orixás e nos rituais que são familiares aos brasileiros, como por exemplo, jogar flores no mar para as divindades. Além disso, cada vez mais uruguaios têm reivindicado sua identidade de ascendência africana, principalmente os mais jovens.

Na visão dos estudiosos e integrantes dos coletivos de afrodescendentes, os tambores e a religiosidade são importantes para dar visibilidade aos chamados afrouruguaios. Eles são uruguaios que se identificam com suas raízes africanas.

Entre eles existem os que têm a preocupação de que esse simbolismo não seja visto somente como “folclóricos” e “estereotipados”. Até porque, a dimensão da cultura e da exclusão dos negros repetem princípios parecidos com os vistos em outros países da América Latina.

Nos séculos passados, o Uruguai foi uma porta de entrada importante de pessoas escravizadas na América do Sul através do rio da Prata. No censo de 1996, 165 mil uruguaios se diziam afrodescendentes, o que correspondia a 5% da população total da época. Em 2006, esse número quase dobrou, indo para 280 mil.

Atualmente, segundo os levantamentos mais recentes, a população afrodescendente é de aproximadamente 10% nesse país de cerca de 3,5 milhões de habitantes.

Negros em um país branco

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Em seu livro “Blackness in the White Nation”, “Negritude em uma Nação Branca” traduzido, o autor George Reid Andrews, especialista na história latino-americana e na presença africana na América Latina pela Universidade de Pittsburgh, cita alguns comunicados oficiais que, nos séculos passados, ressaltavam a pele branca no Uruguai.

“O tipo nacional é ativo, nobre, franco, hospitaleiro, inteligente, forte e valente e é de raça branca em sua quase totalidade, o que significa a grande superioridade de nosso país sobre outros da América em que a maioria da população é composta por índios, mestiços, negros e mulatos”, dizia o escritor Horacio Araujo Villagran em 1929.

Quando Andrews cita as “llamadas”, que são desfiles anuais de escolas de samba e blocos, ele diz que “os tambores e os ritmos são africanos”, mas existem grupos “completamente brancos” e “poucos que contam com integrantes predominantemente afrouruguaios”.

“Como se explica que um país que sempre se jactou de sua herança europeia, uma nação que historicamente se apresenta como ‘a Suíça da América do Sul’, tenha assumido formas culturais africanas como elemento de sua identidade nacional?”, observou.

Atualmente, segundo o Atlas Socio-demográfico e da Desigualdade do Uruguai, feito pelo Instituto Nacional de Estatísticas e entidades acadêmicas, os afrouruguaios formam a “maior minoria” do Uruguai.

Vulnerabilidade

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“O Uruguai tem uma história importante em termos de direitos humanos, como a busca de desaparecidos da ditadura militar. Mas a agenda do movimento afro ainda não tem o espaço que deveria”, pontuou a ativista Ana Karina Moreira Godoy, que se define como “afrofeminista” e integra o coletivo Coordinadora Nacional Afrouruguaya.

Além dela, Niki Johnson, cientista política e responsável por um amplo estudo sobre as condições sociais dos afrodescendentes no país, também ressalta que ainda existe um estigma sobre ser negro no Uruguai. E mesmo quando eles conseguem sair da pobreza, os negros são mais socialmente vulneráveis que os não negros.

“As pessoas afro têm menos anos de educação do que o resto da população. Os dados mostraram que os afro têm menor possibilidade de chegar ao ensino secundário (médio) e mais ainda o terciário (universitário) completo. Somente 3% da população afro têm o terciário completo, enquanto os não afro chegam a 9%”, disse Johnson.

E de acordo com o  levantamento da Unicef no Uruguai, “nascer em uma casa de pais afrodescendentes aumenta claramente a possibilidade de serem apresentadas desigualdades ao longo da vida. A situação no Uruguai é similar”.

Reparação

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Em 2013, a chamada lei de reparação à população afrodescendente do Uruguai foi aprovada. De acordo com ela, “reconhece-se que a população afrodescendente, que habita o território nacional foi, historicamente, vítima de racismo, de discriminação e da estigmatização desde os tempos do tráfico escravocrata”.

Por conta disso, a lei determina que 8% dos postos de trabalho de todo o setor estatal devem ser ocupados, anualmente, por pessoas negras por um prazo de 15 anos. Além disso, também determina que os estudantes afrodescendentes tenham bolsas de estudos, mas não se estipulou um percentual ou cota desse objetivo.

Fonte: BBC

Imagens: BBC

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