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Mulher investe na primeira escola afro-brasileira do país após se tornar mãe

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Quais foram os escritores, artistas e pesquisadores que você estudou durante a infância de acordo com as indicações da escola? Provavelmente, a maioria chocante seja de pessoas brancas. Maju Passos percebeu isso e ainda ressaltou que a única imagem de africanos que recebia dos livros era a de escravos. Por isso, sendo mãe, ela decidiu abrir a primeira escola afro-brasileira do Brasil.

Ao olhar para seu álbum de escola, a produtora cultural e empresária quase não se reconhece. Com os cabelos alisados e rodeada de colegas brancos, a baiana, de 37 anos, conta que demorou a perceber que o racismo esteve presente em sua vida desde o seu início, incluindo o período da primeira infância.

Com isso, Maju nunca teve contato com apresentadores de programas infantis, escritores, bonecas ou outras referências negras enquanto criança. Portanto, sem essas referências, Maju revela que sua autoestima ficou afetada, o que gerou uma série de inseguranças que a acompanham até na vida adulta.

“Só depois fui perceber como o espaço educacional no qual eu estava inserida ajudou a destituir a minha imagem. Eu aprendi que eu precisava ser quem eu não era para me sentir inserida e acabei embranquecendo minhas atitudes. Tive que me tornar mãe de Ayo para me reconhecer”, conta.

Ayo

Arquivo Pessoal

Formada em dança pela Universidade Federal da Bahia e especialista em economia criativa pela FGV do Rio de Janeiro, Maju deu o nome de Ayo para seu filho, o que significa alegria em iorubá.

Ayo, de 4 anos, é fruto de uma relação inter-racial da baiana com um homem branco. Por conta do cabelo loiro e da pele mais clara de Ayo, Maju recebe perguntas constantes se o filho é mesmo dela. Diferente das mães brancas, ela vive com o desconforto diário de ter sua maternidade questionada. Logo, para evitar qualquer discussão ou perigo de ter seu filho tirado de seus braços, ela não sai de casa sem a certidão de nascimento para provar às autoridades que seu filho não está sendo vítima de sequestro.

“Quando estava com o pai dele, sentia no olhar e nas atitudes das pessoas que me julgavam como a mulher negra que aplicou o golpe no gringo. Já sozinha com Ayo, me olham com desconfiança por acharem que ele não é meu filho.”

Sem perceber, o racismo se infiltrou até na forma que Maju estava criando Ayo. Isso porque ela estava com dificuldade de impor limites e de exercer autoridade enquanto mãe de uma criança branca. “Precisava quebrar esse lugar que estava construído em mim de subserviência ao corpo do homem branco”, explica.

Mudanças

Escola Maria Felipa antirracista

Reprodução

Ao perceber que o racismo havia afetado até sua maternidade, Maju decidiu buscar uma solução para a criação de seu filho. “Foi quando meu caminho cruzou com o de Bárbara [Carine]. Recém-separada e vivendo esse luto, assim como eu, ela estava em plena pandemia buscando parcerias para manter vivo o projeto que idealizou para sua filha, a Escolinha Maria Felipa”, conta. A primeira escola sobre a cultura afro-brasileira do Brasil foi registrada no MEC e inaugurada em 2018.

Dessa forma, Maju se encantou com a proposta e o que era a possibilidade de um novo negócio se revelou uma paixão. “Ganhei novos braços, pernas e corpos que, assim como eu, acreditam na importância de uma educação que combata o racismo estrutural que nos atravessa afetando várias camadas de nossas vidas e, consequentemente, atravessa as nossas crianças”, conta Maju, que entrou como sócia da escola em 2020.

Ensino antirracista na escola

A Escolinha Maria Felipa está localizada no bairro de Federação, em Salvador. Ela tem uma educação escolar fora das bases eurocêntricas, desenvolvendo uma série de atividades vinculadas ao antirracismo. Além disso, a instituição é trilíngue, em português, inglês e libras, e recebe inspiração de Maria Felipa, a mulher negra que foi ícone da independência do Brasil na Bahia.

“Na escola, a representatividade é em todos os âmbitos. Temos mulheres negras em todas as posições”, conta Maju. Ela ressalta que, apesar de Salvador ser a cidade com maior população negra fora da África, ainda existe uma diferença salarial entre brancos e negros de quase 70%. Isso reflete em condições de estudo em uma escola particular. Por isso, a escola oferece bolsa de 30% para alunos negros e/ou indígenas ou para alunas em condições de vulnerabilidade social.

A escola adota uma postura antirracista, ou seja, não é eurocentrada, como é o caso das demais escolas que sempre oferecem uma grade curricular baseada em referências europeias ou até estadunidenses nas mais diversas matérias.

Lei no Brasil

Na questão da história, sabemos que a África, além de não abordar os países do continente, geralmente só é discutida em relação ao comércio de escravos. Isso considerando que o ensino da história e de cultura africana e afro-brasileira se tornou obrigatória desde 2003 no Brasil. “Muita gente me pergunta se a escola também é para crianças brancas. Claro! Só estamos contando a história que não nos foi contada”, explica Maju.

“Assim como os brancos, nós, pessoas negras, também tivemos nossa ancestralidade, cientistas, reis e rainhas. Portanto, a premissa é ter uma perspectiva fora do olhar colonizador, que comunique que nenhum povo é centro do mundo e celebre a diversidade de múltiplas existências”, reflete Maju. A sócia foi selecionada neste ano para ser uma das empreendedoras negras aceleradas pelo projeto Feira Preta e Preta Hub, com apoio do grupo Meta, ex-Facebook.

Escola como rede de apoio

“Hoje penso a escola como o lugar que a sociedade deveria olhar com mais carinho. É nesse espaço que o futuro está sendo construído. É também na escola que a gente conta com apoio para dividir a sobrecarga que vem junto com a responsabilidade de criar uma pessoa”, acredita Maju.

Assim, a romantização da maternidade faz com que muitas mulheres encontrem dificuldade em procurar ajuda. “O puerpério foi muito difícil para mim. A sociedade não está preparada para atender as demandas de uma mãe. É uma estrutura que nos coloca muitas vendas. Lembro-me de compartilhar questões e não receber o apoio que precisava. Ninguém notava minha exaustão”.

“Quando a gente precisa explicar para uma estrutura que ela está nos violentando, isso por si só é mais uma violência. Nos grupos de mães a gente não precisa se explicar. A gente já oferece um copo de água e um abraço. Crescemos em bando”.

“Nesses quatro anos, decidi que a minha opinião importa muito mais. Mas para isso precisei chegar à beira do abismo – e da sobrecarga. Aprendi que é preciso reconhecer nossos limites e pedir ajuda. Esperar que o outro reconheça é um passo para a estagnação. Um bebê afeta todas as áreas da vida: o corpo físico, mental, a vida pessoal, financeira, política… É uma virada de tapete que me trouxe muitas quedas, mas agora já entendi que sei me levantar”, conta.

Fonte: Universa UOL

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