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Conheça Júlio Frank, o alemão enterrado em faculdade que fundou uma sociedade secreta

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Na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Largo São Francisco, centro de São Paulo, está o túmulo de Júlio Frank, como se tornou conhecido no Brasil o intelectual alemão Johann Julius Gottfried Ludwig Frank.

Nascido em 1808, ele migrou para o Brasil em 1828. Júlio Frank começou a ganhar a vida dando aulas particulares em repúblicas estudantis de São Paulo e acabou se tornando professor na Faculdade de Direito. 

Em 1834, ele foi nomeado professor de História, Filosofia e Geografia do curso anexo da instituição, que funcionava como escola preparatória.

No entanto, o que lhe rendeu o direito de ser sepultado no interior do prédio universitário foi uma sociedade secreta que Frank fundou: a Burschenschaft Paulista, mais conhecida como Bucha.

Um personagem misterioso

Foto: Acervo De Paulo Rezzutti/ BBC

De acordo com o jornalista Afonso Schmidt (1890-1964), no livro “A Sombra de Júlio Frank”, o alemão era admirado e ignorado na mesma medida.

“Apesar das diversas pesquisas e análises publicadas, resta ainda certo mistério a respeito de Júlio Frank, especialmente sobre o motivo de sua vinda ao Brasil pelos idos de 1828”, disse à BBC News Brasil o historiador Luís Soares de Camargo, diretor do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo.

Frank é de Gotha, na Turíngia, Alemanha, e nasceu em 1808, de acordo com registros de sua cidade natal acessados por Schmidt. Seus pais eram um encadernador e a filha do encadernador oficial da corte.

Já na juventude, frequentou a Universidade de Gottingen, na Baixa Saxônia, região central da Alemanha. Era aluno de destaque em Filosofia, Letras, História e Matemática. No entanto, foi expulso da instituição após se envolver em brigas e por causa das dívidas.

Brasil

A viagem de Júlio Frank para o Brasil não foi fácil. Ele passou mal no navio e quando melhorou teve que fazer faxinas impostas pelo capitão. Logo depois de chegar no rio, foi a São Paulo a cavalo, parando em Sorocaba, interior do estado.

Aos poucos, sua vocação para professor começou a chamar a atenção da elite sorocabana. Frank começou a dar aulas particulares para filhos de fazendeiros, preparando-os para a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, fundada em 1827 na capital.

Ele conquistou tanto os alunos, que depois de três meses, quando os estudantes se preparavam para ir a São Paulo prestar os exames, eles conversaram com os pais para levarem o professor junto.

Após se mudarem para São Paulo, Frank e seus alunos se ajeitaram em uma república estudantil. Depois disso, o professor começou a dar aulas particulares aos estudantes, não só de sua república, mas de outras também.

No entanto, por causa da sua rica formação, Júlio Frank logo se destacou entre os intelectuais de São Paulo. Em pouco tempo, ele se transformou em um dos mais prestigiados professores da faculdade.

Burschenschaften

Foto: Flávio Roberto Batista/ BBC

De acordo com Júlio Frank, as Burschenschaften “são associações que datam de tempos muito afastados e dispõem de um código moral e uma espécie de ritual que, em rigor, servem para atrair pelo esoterismo os rapazes das escolas, mas cujo intuito principal é este: formar uma caixa e assistir aos que necessitem de auxílio”.

“Foi o contato com os alunos que influenciou a formação da Burschenschaften. Embasada por ideais liberais e antiabsolutistas, a Bucha – como ficou conhecida em sua adaptação ao português – auxiliava estudantes sem recursos mas com potencial e vontade de estudar”, explicou o historiador Paulo Rezzutti à BBC News Brasil.

As contribuições eram dadas pelos mais afortunados, de acordo com as possibilidades de cada um. Segundo Frank, a sociedade precisava ser secreta para não causar constrangimentos aos beneficiados.

Bucha foi fundada em 4 de julho de 1830, com professores, alunos e pessoas importantes da sociedade como associadas. O alemão foi quem organizou seus estatutos e seu código moral.

“A Bucha permaneceu como sociedade secreta até as primeiras décadas do século 20, quando, então, deixou de existir”, afirma o historiador Luís Soares de Camargo.

Influência

A Bucha tinha uma estrutura própria, dividida em graus hierárquicos. Um braço funcionava dentro do Largo São Francisco: os alunos eram divididos em Catecúmenos, Crentes e Doze Apóstolos. Os que já eram formandos tinham outros graus: eram os Chefes Supremos e constituíam o Conselho dos Divinos.

Segundo Paulo Rezzutti, a Bucha foi ampliando seu poder quando começou a ultrapassar as fronteiras da Faculdade de Direito. Além disso, para entrar para o clube, era preciso convite. Os membros tinham de fazer um juramento.

A Bucha também passou a ter seus adeptos nos postos mais importantes do país. “Acredita-se que, durante a República Velha, período entre 1889 e 1930, não havia ministro, juiz ou candidato à Presidência da República que fosse indicado sem deliberação do Conselho dos Divinos”, diz o historiador.

Conforme matéria repercutida pela BBC, os integrantes da Bucha foram fundamentais para a criação da Liga Nacionalista de São Paulo, grupo organizado em 1916. No entanto, a Liga significaria o fim da Bucha. Depois da Revolução Tenentista de 1924, o presidente Artur Bernardes (1875-1955) proibiu o funcionamento da organização, o que fez acabar o clube criado por Júlio Frank.

Morte de Júlio Frank

Foto: BBC News Brasil

Júlio Frank morreu em 1841, aos 32 anos, vítima de pneumonia. Como era de uma  família protestante e não praticava nenhuma religião, ele acabou sendo destinado a um inusitado túmulo dentro da Faculdade de Direito.

“Na época não existiam cemitérios públicos na cidade. Os sepultamentos eram realizados no interior das igrejas católicas ou em pequenos cemitérios anexos”, informa o historiador Camargo.

“A cidade contava também com o Cemitério dos Aflitos [no bairro da Liberdade], muito desprestigiado, posto que destinado aos condenados pela Justiça, aos escravos ou aos extremamente pobres. Vale lembrar que este cemitério também era administrado pela Igreja Católica”, acrescenta o historiador. “Todos sabiam que o protestante Júlio Frank não seria aceito em nenhuma igreja. Já o enterro no Cemitério dos Aflitos seria muito humilhante.”

De acordo com Camargo, isso não seria cabível para um “eminente professor da Faculdade de Direito, com largo círculo de amigos entre alunos e professores”.

Após protestos dos alunos de Júlio Frank, o conselheiro José Maria de Avellar Brotero (1798-1873), político e jurista, fez uma solicitação especial ao bispo de São Paulo, Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade (1767-1847).

“Então surgiu a ideia por todos aceita: Júlio Frank seria sepultado no pátio da Faculdade. E assim foi feito”, informa Camargo.

O túmulo de Júlio Frank, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, é um patrimônio histórico tombado em São Paulo.

Fonte: BBC

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