Curiosidades

Os cheiros que podem desaparecer para sempre

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A maioria dos seres humanos possui cinco sentidos, que ajudam a perceber o mundo ao seu redor. A ciência já estudou novos deles que podem mostrar que temos até mais que os consagrados tato, paladar, olfato, audição e visão. Todos têm sua importância e o olfato tem um papel importante. Até porque, os cheiros das coisas podem servir como um alerta, além, é claro, de poder remeter a memórias, pessoas e deixar um ambiente mais agradável.

Contudo, alguns cheiros podem estar fadados a desaparecer para sempre, como por exemplo, o aroma de um livro que ficou guardado por anos e é sentido quando ele é folheado. Conforme esses livros vão sendo descartados, esse aroma fica mais difícil de ser sentido novamente.

Esse problema não é exclusivo dos livros. Mas para Cecilia Bembibre, pesquisadora do Instituto de Patrimônio Sustentável da University College London (UCL), no Reino Unido, o cheiro de livros antigos é importante.

Tanto que ela está desenvolvendo técnicas para recuperar aromas “extintos” do passado e conseguir preservar os que estão a nossa volta. Até porque, os cheiros são uma parte do patrimônio cultural que, várias vezes, são esquecidos.

“As propostas feitas por espaços dedicados ao patrimônio cultural, como galerias, museus, casas históricas, se concentram principalmente no visual. O engajamento que eles propõem tende a ser visual. Com algumas exceções, a estimulação dos sentidos, como objetos que podem ser tocados ou cheirados, é reservada para o público infantil”, disse ela.

No entanto, Bembibre está tentando mudar esse cenário. “Eu queria chamar a atenção para essa questão que foi muito pouco pesquisada – os cheiros como patrimônio olfativo da humanidade”, pontuou.

Cheiros

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Mas para que os cheiros sejam preservados é preciso capturá-los. E como se captura algo tão intangível quanto uma fragrância histórica? Uma das formas é expondo uma fibra de polímero ao perfume para que os compostos químicos que provocam o cheiro no ar consigam se aderir nela.

Depois disso feito, a pesquisadora analisa a amostra em laboratório. Ela dissolve as substâncias presas na fibra, as separa e identifica. Então essa lista de compostos químicos que ela obtém é efetivamente a receita do perfume.

Além desse método, um outro separa e identifica os compostos diretamente da amostra de gases. Essa forma é bem usada na indústria de perfumes, alimentos e bebidas. Isso porque permite a identificação de compostos ativos que são voláteis.

Um terceiro método é usar o nariz. Seja pedindo a um grupo de voluntários para descrever determinados aromas ou  recorrendo a “narizes” especializados, ou seja, de profissionais que têm o nariz treinado, como por exemplo, os perfumistas.

“Nós caracterizamos o cheiro do ponto de vista humano. Isso é importante porque se queremos preservá-lo para o futuro, isso depende de muitos fatores. Não apenas da composição química, mas também da nossa experiência”, explicou Bembibre.

Preservação

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Os cheiros têm um papel vital nas práticas culturais seculares, como por exemplo, no  Festival de Pátios de Córdoba, na Espanha, ou nas procissões da Semana Santa em Popayán, na Colômbia.

Em 2018, a vocação de Pays de Grasse, na França, para criar e produzir perfumes foi incluída na lista de patrimônio imaterial da Unesco. Além da França, outros países também se esforçaram para que o valor dos seus aromas fosse reconhecido. Tanto que, em 2001, o ministro do Meio Ambiente do Japão listou os 100 lugares com melhor cheiro do país, incluindo espaços naturais e culturais.

Pouco depois, em 2016, o Centro de Pesquisa de Civilizações da Anatólia da Universidade Koç, em Istambul, abriu a exposição “Scents and the City” com o objetivo de explorar quatro mil anos de civilização por meio de seus cheiros.

“Há uma maneira de inscrever esses elementos na lista de patrimônio mundial, da mesma maneira que um patrimônio mundial gerenciado pela Unesco. Para que seja parte de todo um universo de patrimônio imaterial”, disse Katy Lithgow, especialista em conservação do patrimônio cultural e ex-chefe de conservação do National Trust, responsável pela proteção do patrimônio histórico e natural britânico.

Embora exista uma negligência generalizada com relação aos cheiros como patrimônio cultural, existem esforços individuais para preservar cheiros significativos do cotidiano para que eles não desapareçam, como faz Kate McLean, criadora do Sensory Maps.

Ela é uma pesquisadora e artista visual que trabalha com a interseção de paisagens olfativas percebidas pelo homem, cartografia e comunicação de dados que são ‘invisíveis aos olhos’. O objetivo dela é criar mapas de aromas.

No entanto, esses mapas não se limitam aos cheiros que são distribuídos geograficamente. Eles também podem incluir mudanças que acontecem ao longo do tempo. Além disso, McLean também considera os aromas do passado. Por isso ela criou um mapa de cheiros da antiga cidade industrial de Widnes, no Reino Unido.

O que preservar?

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O trabalho de Cecilia Bembibre é motivado pela evolução dos aromas. Mas por mais que se tenha a consciência da preservação dos aromas, quais devem ser preservados?

“Tem a ver com a forma como esses cheiros estão associados às pessoas, na verdade. Portanto, a primeira coisa é consultar a população sobre os tipos de cheiros que elas acham valiosos”, sugeriu Katy Lithgow.

Os valores podem ser os tradicionais, como histórico ou estético, ou podem ser econômicos, científicos, culturais, comunitários, emocionais. Por isso que Lithgow ressalta que para determinar quais são importantes é preciso consultar as comunidades e especialistas.

“Assim como na criação de qualquer outro tipo de arquivo, você deve se perguntar o que está sendo selecionado. Eu ficaria preocupado se estivéssemos apenas curando ou coletando os aromas de um setor social específico”, pontuou Alex Rhys-Taylor, especialista em experiência multissensorial no espaço urbano da Universidade Goldsmiths, em Londres.

São questionamentos como esses e a escolha de cheiros que realmente representam um lugar ou uma cultura, e quais de fato são autênticos, que vão formar o arquivo sonhado por Bembibre.

Fonte: BBC

Imagens: BBC

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