Independente da classe social, idade, etnia, cidade ou país, muitas mulheres são vítimas de relacionamentos abusivos. Algumas conseguem sair rápido dessa situação, mas outras ficam por anos nesse ciclo.
A primeira pesquisadora a identificar o ciclo e os padrões de comportamento dos agressores foi a psicóloga norte-americana Lenore E. Walker. O estudo foi realizado na década de 1970, após entrevistar mais de 1.500 vítimas de violência doméstica.
Ela descreve o ciclo dessa forma:
Construção das tensões: quando acontece o controle do comportamento, o isolamento da mulher, além de ofensas verbais e humilhações.
Explosão da violência: quando existe agressão física, violência patrimonial, violência moral, violência sexual ou violência psicológica.
Lua de mel: momento em que o companheiro pede perdão, faz promessas de mudança, e consegue se reconciliar e reconstruir o vínculo com a companheira.
O início dos relacionamentos abusivos
Os relacionamentos abusivos começam de forma similar aos saudáveis: o casal se apaixona e cria um vínculo. No entanto, ainda no início, eles já apresentam um sinal preocupante: o controle com a parceira.
“Existe aquela intensidade de os relacionamentos se tornarem muito sérios em pouquíssimo tempo. Um estabelecimento entre amor e confiança muito grande. O parceiro diz: ‘se você me ama de verdade, você vai fornecer a senha das suas redes sociais’, ‘se você me ama de verdade, você vai ficar só comigo'”, informou Silvia Chakian, promotora do Ministério Público de São Paulo e integrante da Promotoria Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica, para o G1.
Após isso, inicia o isolamento dessa mulher de sua família, amigos e até do trabalho. “Assim, aos poucos, essa mulher vai cada vez mais ficando isolada, até o ponto em que ela não consegue sequer compartilhar as suas angústias, suas dores, e pedir ajuda”, conta Silvia.
Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, destaca que muitas vezes o comportamento controlador é entendido como manifestação de amor. “A mulher diz: ‘ele faz isso porque ele é ciumento e me ama muito’. Ela também costuma achar que ela foi responsável pela tensão que se instalou.”
A promotora Silvia Chakian ouviu por diversas vezes as vítimas relatando que tinham a sensação de estar em estado de alarme constante. “Muitas dessas mulheres acabam acreditando que o agressor sabe de tudo e vê tudo. O que a gente vê são mulheres completamente sem capacidade de reação.”
Quanto mais se intensificam as humilhações e ofensas, mais rápido está de acontecer uma explosão de violência, que pode ocorrer de forma sexual, física, entre outras. Após isso, começa a fase da lua de mel.
“Muitas mulheres, de fato, acreditam nessa mudança de comportamento do agressor. Elas perdoam, permanecem naquela relação abusiva e até violenta acreditando que aquilo não é tão grave assim, que ele vai tomar jeito, que ela vai mudar o seu próprio comportamento e, com isso, vai mudar o comportamento do parceiro”, relata Chakian.
Como sair do ciclo
Na maioria dos casos, apenas quando ocorre a violência aguda a mulher procura ajuda. Por isso, Samira destaca que as informações sobre o que é um relacionamento abusivo ajuda a prevenir o feminicídio, fruto de uma violência progressiva.
“A gente não está falando de uma violência que é passional e que o homem chega um dia em casa enlouquecido e vai atentar contra a vida da sua companheira. Estamos falando de uma série de violências que vão escalando.”
Ao longo dos séculos, leis, discursos e costumes reforçam a dominação do homem sobre a mulher. Isso criou um terreno fértil para a violência doméstica. No entanto, nas últimas décadas, mudanças sociopolíticas fizeram com que fossem criadas novas leis para criminalizar violência doméstica em muitos países, inclusive no Brasil.
“O feminicídio não é mais compreendido como um crime passional, um crime de amor. Mas, sim, uma manifestação de ódio ao feminino, uma manifestação de poder sobre o corpo e a sexualidade das mulheres”, destaca Silvia.
Mas, além das leis, os especialistas destacam a importância de uma consciência social para enfrentar os casos de violência e feminicídio.”A gente precisa garantir que, socialmente, essa violência contra a mulher seja reprovável e que ela não seja compreendida como um problema da esfera doméstica, de ordem privada”, afirma Samira.
A socióloga também aponta que as vítimas precisam ser melhor amparadas pelo Estado e pela Justiça.
“Não é só um problema penal, que a justiça criminal vai resolver. Tem questão que perpassa a área da família, porque a vítima precisa do divórcio e da separação, da pensão alimentícia, da guarda dos filhos. Ela tem uma questão assistencial, porque a mulher precisa ter autonomia financeira, precisa ter acesso às políticas habitacionais. Tem ainda a educação, a saúde. É uma série de fatores que podem contribuir para que essa mulher possa ser posicionada na sociedade como estratégia para livrá-la da violência”, explica a promotora Silvia Chakian.
Fonte: G1
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