Curiosidades

Nessa ilha, tricotar é tarefa dos homens

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A maior parte das pessoas relaciona o hobbie de tricotar como sendo uma “coisa feminina”, o que está longe de ser realidade. Até porque não existe coisa “de mulher” e “de homem”, já que todos podem fazer o que quiserem. Contudo, na minúscula ilha de Taquile, o valor de um homem não é medido por sua habilidade de caçar ou pescar, mas sim de tecer.

A ilha de 1,3 mil habitantes está no lado peruano do lago Titicaca, a uma distância de três horas de carro a partir de Puno, a cidade mais próxima. Ela é famosa por seus produtos têxteis. E enquanto as mulheres trançam o tecido e cuidam das ovelhas que dão a lã, os homens são responsáveis por produzir os gorros da ilha.

Esses gorros são chamados chullos e têm um significado cultural muito grande, além de ter um papel crucial na estrutura social da ilha. Através deles, os homens conseguem demonstrar toda sua criatividade, além de identificar seu status marital, seus sonhos e aspirações. Alguns chullos representam até mesmo o estado de ânimo, além de a produção desses gorros ser uma tradição que a população da ilha se esforça para preservar.

Ilha

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Até os anos 1950, essa ilha esteve relativamente isolada. Isso ajudou com que suas heranças culturais e modo de vida fossem mantidos intactos. Tanto que os habitantes locais ainda seguem o mantra quechua de “Ama sua, ama llulla, ama qhilla”, que quer dizer “não roube, não minta, não seja preguiçoso”.

Tradicionalmente, os taquilenhos são agricultores. Por conta disso, as seis comunidades da ilha se alternam entre cultivos de batata, milho, feijão e cevada em encostas nas montanhas. Eles também criam ovelhas, porquinhos-da-índia, galinhas e porcos, e também pescam.

Nos anos 1970, o turismo começou a acontecer na ilha. Isso deu aos moradores locais uma fonte de renda, já que todos os anos milhares de visitantes vão até as aldeias e o lago. Normalmente, os visitantes se hospedam com os locais, em acomodações simples que são gerenciadas por famílias, têm oportunidade de participar das colheitas e experimentam especialidades locais, como por exemplo, truta frita com batata e arroz, feijão e chá de menta. E claro, compram as famosas peças têxteis feitas à mão.

Essa tecelagem é tão importante que, em 2005, ela foi considerada patrimônio cultural intangível pela Unesco. Um dos homens da ilha que fazem esse trabalho é Alejandro Flores. Ele é um, de sete homens na ilha, a ser reconhecido como  Mestre de Têxteis, junto ao presidente da ilha, Juan Quispe Huatta.

Tradição

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Essa tradição existe há aproximadamente 500 anos e tem suas raízes nas civilizações antigas dos incas, pukaras e collas. Os incas, mais especificamente, usavam adereços em suas cabeças de uma forma parecida com os chullos taquilenhos, para representar a insígnia de sua província específica. Contudo, os chullos e os adereços incas são bem diferentes.

Segundo os mais velhos da ilha, o desenho do chullo chegou em 1535 junto com os conquistadores espanhóis. O avô de Flores contava para ele histórias de conquistadores usando chapéus similares, “mas não com os mesmos padrões ou símbolos”.

Por ser uma tradição, os meninos taquilenhos aprendem a tecer a partir dos cinco ou seis anos, e o aprendizado é passado pelos mais velhos à geração seguinte. Além disso, existe todo um ritual a ser seguido.

O primeiro chullo feito pelos meninos é branco, e depois eles começam a usar lã de ovelha tingida com plantas e minerais locais. Esse método é refinado até que eles dominem a técnica. Todo processo é bem lento, e até os tecelões mais experientes levam quase um mês para produzir um chullo. Isso acontece justamente por conta dos padrões intrincados e da iconografia específica, que reflete questões agrícolas, sazonais e familiares.

Cultura

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Outro papel importante dos chullos é na união de jovens casais. Até porque, os homens são escolhidos com base em sua habilidade em tecer com êxito um chullo com pequenas agulhas. De acordo com Flores, um “bom partido” é aquele homem que é capaz de fazer um chullo com fios tão perto um do outro que seja possível armazenar água nele quando virado de cabeça para baixo.

“As garotas procuram os melhores chullos. Quem tem um bom chapéu tem mais chances de conseguir uma namorada mais rápido”, disse Juan.

“Só um homem que tricota um chullo muito bom pode ser chamado de homem”, ressalta Flores.

Na visão de Flores, Juan e dos outros tricotadores de Taquile, todas essas mudanças recentes do mundo fazem com que seja ainda mais importante preservar a cultura e as tradições locais.

“Temos muito conhecimento de nossos ancestrais, e preciso ajudar os mais jovens a entender que isso deve estar sempre na nossa mente, na nossa consciência, porque são conhecimentos e sabedorias que não podem ser esquecidos. Se os tempos modernos estão vindo, precisamos aceitá-los, mas sem esquecer nossa origem”, concluiu Juan.

Fonte: BBC

Imagens: BBC

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