Nas primeiras horas da madrugada, o zolpidem se tornou um assunto frequente nas redes sociais. No Twitter, o remédio desenvolvido para tratar a insônia virou um fenômeno cultural entre os jovens.
Lançado no começo dos anos 1990, o zolpidem é um fármaco da classe dos hipnóticos (para indução do sono) que deve ser usado por no máximo quatro semanas para quem tem dificuldade para dormir ou manter o sono pelo tempo adequado.
Médicos apontam que o medicamento tem se popularizado, o que abre espaço para efeitos colaterais preocupantes e dependência. Em concordância, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) calcula que, entre 2011 e 2018, a venda do fármaco cresceu 560% no país.
Somente em 2020, foram comercializadas 8,73 milhões de caixas de zolpidem nas farmácias brasileiras.
Interruptor desligado
O zolpidem atua em um receptor dos nossos neurônios e mexe com um químico cerebral chamado ácido gama-aminobutírico, representado pela sigla Gaba.
“Isso, por sua vez, promove uma cascata de eventos que faz a gente ficar sedado e dormir”, explicou à BBC a médica Sonia Doria, do Instituto do Sono, em São Paulo. “É como se nosso cérebro tivesse um interruptor e o zolpidem apertasse o off para desligá-lo.”
Quando dormimos naturalmente, aos poucos, o cérebro vai relaxando e se desconectando da realidade, até entrarmos no estado de sono. No entanto, o zolpidem faz isso de uma maneira rápida e abrupta, o que a curto prazo é bem-vindo para pessoas que não conseguem dormir.
Mas a utilização deste medicamento possui uma indicação precisa. “Ele pode ser útil para situações em que a pessoa está passando por um evento muito estressante, como a morte de um familiar ou a perda de emprego, e não consegue pegar no sono por causa disso”, explica Doria.
Nesses casos, o tratamento acontece por um curto período. Se após isso, o descanso noturno seguir insuficiente, os médicos costumam usar outras abordagens, que envolvem medicações diferentes, mudanças de hábitos e terapias psicológicas.
Uso inadequado
Os pesquisadores apontam que o grande problema é que o zolpidem está sendo indicado para qualquer dificuldade no sono e por um longo período de tempo. “Apesar de a venda ser controlada e necessitar de prescrição médica, é relativamente fácil obter uma receita hoje em dia”, explica a neurologista Dalva Poyares, da Associação Brasileira de Medicina do Sono.
A médica aponta que a popularidade do remédio entre os jovens também está relacionada a uma indicação inadequada do zolpidem.
“Ele está sendo prescrito para tratar o distúrbio de ritmo, que acontece quando indivíduos, geralmente mais jovens, dormem mais tarde e apresentam dificuldades para acordar cedo e ir para a escola, a faculdade ou o trabalho”, descreve.
De acordo com ela, nesse contexto o zolpidem é considerado como uma solução rápida para dormir mais cedo, “mas ele não é indicado para esse fim”.
Aproximadamente 5% das pessoas que tomam zolpidem podem sofrer com um quadro de sonambulismo e amnésia. O risco aumenta caso a pessoa tome o medicamento e não deite logo em seguida, como orientam os médicos.
“Nessa situação, o cérebro passa a funcionar como num sonambulismo, em que o paciente não está totalmente acordado e nem totalmente dormindo”, explica Poyares.
Isso pode gerar comportamentos imprevistos e inadequados. “Tem quem faça compras, pegue o carro, se alimente, ligue para os outros, poste nas redes sociais. No dia seguinte, a pessoa não se lembra direito de ter feito essas coisas”, exemplifica a médica.
Quando prescrito, a orientação dos médicos é que a pessoa tome o remédio e vá para cama, de preferência longe de aparelhos eletrônicos.
Além disso, o cuidado deve ser maior com as versões sublinguais da medicação (colocadas debaixo da língua para dissolver). Nelas, o efeito da sonolência acontece em minutos.
Dependência e tolerância ao zolpidem
Doria explica que existe a probabilidade de a dose inicial do zolpidem se tornar insuficiente após um tempo. “Há também uma dependência emocional, pois alguns passam a acreditar que só conseguirão dormir se tomarem o remédio.”
Ela acrescenta que quando o zolpidem foi lançado estimava-se que o medicamento não levaria à dependência ou à tolerância. “Hoje sabemos que não é bem assim. Vimos ao longo dos anos que o uso inadequado pode gerar dependência e tolerância, o que faz o medicamento não ser tão isento de efeitos colaterais como se previa”.
Doria conta que já atendeu pacientes que precisavam ingerir três comprimidos para pegar no sono, ai acordavam às 3 horas da manhã e consumiam mais duas unidades. Às 5h levantavam novamente com a necessidade de repetir a dose mais uma vez.
Esse abuso causa risco de problemas na memória, no raciocínio e na atenção. A melhor maneira de evitar isso é consultar um especialista e se caso foi receitado o zolpidem, deve ser seguido à risca as orientações.
“Existem algumas bandeiras vermelhas que indicam a dependência. A principal delas ocorre quando o sujeito toma um comprimido e, depois de um tempo, começa a acordar antes ou a sentir a necessidade de aumentar a dose”, explica Poyares.
Para esses casos, existe um tratamento que ajuda a lidar com o vício de ingerir comprimido para dormir.
“Não é indicado cortar o zolpidem de uma hora para outra. Nós podemos indicar classes diferentes de fármacos que fazem essa substituição aos poucos junto com a terapia cognitivo-comportamental”, explica Doria.
Fonte: G1
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