Curiosidades

Por que brinquedos antigos estão intrigando cientistas

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O arqueólogo americano Gus Van Beek (1922-2012) recuperou, entre diversos objetos, 17 pequenos discos arredondados, alguns feitos de giz, outros de pedra, mas a maioria de cacos reciclados. Eles contavam com dois orifícios propositais no centro. Para ele, esses objetos eram similares aos brinquedos da sua infância.

Vale destacar que Van Beek não foi o primeiro, e nem o último, arqueólogo a descobrir objetos como esses. Eles foram encontrados em sítios arqueológicos no Japão, no Egito, na Índia e no continente americano, entre outros locais.

Além de Van Beek, outros estudiosos  já haviam suspeitado que fossem brinquedos, mas havia também os céticos.

No entanto, vale destacar que apesar de sabermos que as crianças brincavam muitas vezes com objetos, descobrir quais eram os artefatos usados e de que maneira segue sendo difícil de responder.

Entender como as crianças brincavam é importante para um debate que já dura décadas: o que a infância significava para as gerações passadas, se é que ela tinha algum significado?

Na década de 1960, o historiador amador francês Philippe Ariès (1914-1984) publicou a teoria de que a mortalidade infantil era muito alta para que os pais investissem muitos sentimentos e recursos em seus filhos. Por causa disso, as crianças eram tratadas como adultos em miniatura.

Esse tratamento se estendia às brincadeiras. De acordo com Ariès, após a primeira infância, as crianças não tinham mais brinquedos e jogos específicos para elas, por isso, usavam objetos dos adultos.

Sentimento da infância

Foto: iStockphoto/ Getty Images

Mesmo que os acadêmicos tenham desmentido grande parte da teoria de Ariès, muitas das suas crenças ainda persistem.

Os arqueólogos, especialmente os que estudam a infância, apresentam opiniões diferentes. Um dos pilares da sua argumentação está relacionado às descobertas sobre as brincadeiras das crianças.

“Tem-se dito com muita frequência que não havia o sentimento da infância — que a infância era uma fase da vida que você precisava atravessar o mais rápido possível para chegar à idade adulta, quando você ‘existe’ por completo”, afirma Véronique Dasen, professora de Arqueologia Clássica e História da Arte da Universidade de Friburgo, na Suíça.

“Mas isso não é verdade. Existe algo especial entre as crianças e esse valor especial é revelado pelo seu prazer em brincar. E os adultos reconheceram isso.”

De acordo com ela, um dos problemas é que, historicamente, a infância é ignorada pelos acadêmicos.

“O mundo das crianças foi excluído da pesquisa arqueológica”, escreveu a arqueóloga norueguesa Grete Lillehammer na obra “A Child is Born: The Child’s World in an Archaeological Perspective” (“Nasce uma criança: o mundo infantil em perspectiva arqueológica”, em tradução livre).

No entanto, isso significa que as crianças não foram uma parte importante das comunidades, nem que não houve atividades e objetos específicos para elas. Inclusive, vale destacar que palavra para “criança” em grego clássico significa “alguém que brinca”. Em concordância, alguns filósofos descrevem a infância como uma etapa da vida específica, dedicada às brincadeiras.

Porém, determinar como as crianças brincavam 2 mil, 5 mil ou até 25 mil anos atrás e quais eram seus brinquedos exige diversas pesquisas.

Questões que persistem

A maioria dos brinquedos provavelmente era feita de materiais naturais, como madeira ou palha, por isso, é improvável que eles tenham sobrevivido.

Apesar disso, os arqueólogos utilizam o contexto para determinar o que é um objeto e como ele é usado. Por exemplo, se uma xícara for encontrada em uma parte da casa onde também há pratos e colheres, costuma ser formulada a hipótese de que ela era usada para servir bebidas. Mas se a mesma xícara for encontrada em um túmulo ao lado de joias e amuletos, ela pode ter sido utilização para decoração ou em rituais.

No entanto, com os brinquedos, o contexto pode ser ainda mais incerto, já que as crianças brincam em toda parte. Por isso, um objeto escavado em um contexto associado aos adultos também pode ser um brinquedo para as crianças.

Por outro lado, mesmo quando encontrado em um contexto associado a crianças, isso não significa que o objeto fosse um brinquedo. Ele pode ter sido algo de uso religioso ou cerimonial.

Por exemplo, as bonecas de terracota, que muitos pesquisadores concordam hoje, eram usadas para funções cerimoniais específicas. 

Identificando os brinquedos

Foto: Getty Images/ BBC

Em alguns casos, arqueólogos e historiadores usam registros escritos para identificar quais eram os brinquedos das crianças. Também são usadas evidências iconográficas — ilustrações em vasos, túmulos e esculturas em relevo, por exemplo.

Alguns arqueólogos consideram que as crianças de hoje são como as de 3 mil anos atrás, o que pode ajudar a entender os objetos encontrados. No entanto, Dasen aconselha a ter cuidado para evitar o uso excessivo desta abordagem. Isso porque um objeto encontrado pode parecer um brinquedo, mas ser feito de material frágil e usado para decoração.

Interpretações sobre os brinquedos

Foto: Getty Images/ BBC

Anteriormente, a única maneira de imaginar se um objeto foi elaborado por uma criança era avaliar as imperfeições da sua criação. No entanto, atualmente temos métodos mais científicos.

Por exemplo, com os navios em miniatura, encontrados no sítio arqueológico Tel Nagila, em Israel, datado de 3.500 anos atrás, pesquisadores analisaram impressões digitais para determinar que muitos deles foram feitos por crianças.

Esses objetos deveriam servir para brincar e educar, como citado por Grete Lillehammer, ao estudar as miniaturas de enxadas, potes e pontas de flecha que foram encontradas em sítios arqueológicos da Idade do Bronze e do Ferro na Dinamarca. 

Já as pequenas pontas de flecha encontradas em um túmulo infantil do período mesolítico em Stateholm, na Suécia, podem ter sido utilizadas para treinar as crianças.

Os cientistas seguem solucionando aos poucos o mistério de como as crianças do passado brincavam. No entanto, ainda existem dúvidas que persistem e que talvez nunca sejam solucionadas.

Mas Garroway aponta que isso não é exclusivo da arqueologia infantil. “Da mesma forma que não sabemos ao certo sobre as crianças, também não sabemos ao certo como os adultos usavam as coisas”, afirma ela. “Nós adivinhamos educadamente, e muito”.

Fonte: G1

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