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Carl von Martius, o alemão que “batizou” a natureza brasileira

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No começo do século 19, o Brasil era uma região pouca estudada, pelo menos em relação à natureza exuberante. Considerando a imensidão e a riqueza da terra, não é chocante que, naquela época, a fauna e a flora ainda eram praticamente desconhecidas. Isso até que Carl von Martius assumiu a missão de batizar a natureza.

Não foi só ele. Nesse contexto de Brasil desconhecido, dois naturalistas bávaros, o botânico Carl Friedrich Philipp Von Martius (1794-1868) e o zoólogo Johann Baptist von Spix (1781-1826) desembarcaram no porto do Rio de Janeiro, em 1817. Eles tinham uma missão: dar nome às coisas.

Então por três anos, entre 1817 e 1820, eles viajaram mais de 14 mil quilômetros pelo interior do Brasil no que foi considerada a maior expedição científica de exploração da fauna brasileira até os dias atuais. Eles coletaram mais de 22 mil espécies de plantas, além de estudá-las e catalogá-las. De acordo com especialistas, é quase metade de todas as espécies da flora brasileira conhecidas até hoje.

Importância

Esses estudos foram tão completos que devemos aos pesquisadores a divisão natural do território brasileiro em cinco biomas que usamos até hoje: Mata Atlântica, Amazônia, Caatinga, Cerrado e Pampa.

“Carl von Martius foi decisivo para a botânica brasileira. Além da maior classificação da flora da nossa história, ele foi o responsável pela primeira organização fitogeográfica do país, que hoje chamamos de biomas e são utilizados, por exemplo, nos estudos do IBGE”, explica o historiador Pablo Diener, que, junto com a também historiadora e esposa, Maria de Fátima Costa, lançou recentemente o álbum Martius.

Martius

flora brasileira de Carl von Martius

DIVULGAÇÃO/EDITORA CAPIVARA

Na obra, os autores contam, em detalhes, os preparativos para a expedição de Carl von Martius e Johann Baptist von Spix, em Munique, em 1815, onde viviam. Além disso, eram ligados a instituições dedicadas às ciências naturais, como a Real Academia das Ciências da Baviera e o Real Jardim Botânico de Munique. Na época, era de interesse de governantes europeus enviar expedições ao Brasil, então Reino Unido de Portugal e Algarves, por razões não só científicas como políticas.

“Tratava-se de um projeto com o qual o Estado bávaro buscava mostrar-se ao mundo como uma nação culta e fortalecida, através de um grande feito científico: uma expedição”, diz um trecho do livro. “Buscava-se conhecer e explorar um país com famosas riquezas naturais, porém ainda envoltas em auréolas misteriosas, e sobre as quais as informações eram cobiçadas pelas grandes instituições europeias”.

No entanto, o projeto certamente não foi fácil e nem barato. Apesar de contarem com o apoio do rei da Baviera Maximiliano José I, a viagem só foi concretizada em 1817. Isso contando que Maximiliano tinha boas relações com a Áustria e conseguiu uma carona para os dois cientistas na mesma comitiva que levaria ao Brasil a arquiduquesa Maria Leopoldina da Áustria, para casar-se com o príncipe Pedro I, futuro imperador do Brasil.

“Eles aprenderam a viajar viajando, sem uma rota definida e percorrendo espaços que não tinham a menor ideia da existência”, explica Diener. Então, a rota era traçada de forma empírica e de acordo com o que encontraram no caminho. Além de fauna e flora, também tinham contato com comerciantes, viajantes, populações locais e indígenas, que também estudaram.

Publicação

Uma vez de volta a Munique, em 1820, os naturalistas tinham uma nova preocupação: catalogar e publicar o quanto antes os resultados da viagem ao Brasil. Isso porque, caso demorassem, outros naturalistas europeus, como o francês Auguste de Saint-Hilare, poderiam tirar o status de pioneiros dos bávaros.

Portanto, em 1823, a dupla lançou o primeiro volume de Viagem pelo Brasil. Depois, outros volumes foram lançados, em 1828 e 1831, mas sem a colaboração de Spix, já falecido. O mais importante trabalho publicado de von Martius viria depois com a Flora Brasiliensis (Flora Brasileira), uma monumental obra dividida em 15 volumes e 40 partes publicados a partir de 1840 e dedicados à flora brasileira.

Parte da edição só tornou-se viável com investimento do imperador Dom Pedro II, com quem Carl von Martius trocava correspondências e era notavelmente um entusiasta das ciências naturais. No total, foram 22.767 espécies de plantas reunidas, descritas e analisadas.

Eurocentrismo

“O interesse dele era enciclopédico e estrondoso para a época. Quase metade das plantas brasileiras que conhecemos hoje no Brasil foram classificadas por von Martius”, explica Diener. No entanto, apesar de suas enormes contribuições, Carl von Martius e Spix tinham grandes doses de “superioridade” do povo europeu em seus trabalhos, especialmente em comparação com os africanos e indígenas.

Assim sendo, segundo especialistas, ao longo dos anos e dos estudos sobre o Brasil, Carl von Martius foi perdendo aos poucos o eurocentrismo. “A primeira classificação e organização dos grupos de línguas indígenas do Brasil foi feita por Martius”, diz Diener.

“É preciso compreender o contexto da época em que eles viviam para acreditarem nessa suposta superioridade europeia. Era muito comum os cientistas da Europa na época fazerem essa classificação de raças, algo que hoje em dia, claro, não é aceito”, explica o doutor em História da Ciência Waldir Stéfano, professor do curso de Ciências Biológicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Sendo assim, o trabalho de Carl Von Matrius teve tanta importância que Stéfano compara o naturalista com o britânico Charles Darwin (1809-1882), pai da teoria da evolução e do livro A Origem das Espécies. “A importância de Martius para a botânica é a mesma de Darwin para a origem das espécies”, afirma Stéfano.

Fonte: BBC

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