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“Devolve nosso ouro”: entenda a história por trás do meme usado por brasileiros contra Portugal

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Em discussões contra portugueses nas redes sociais, diversos brasileiros usam o meme “devolve nosso ouro”. Para entender o motivo do meme é preciso apontar que mesmo antes do chamado “Ciclo do Ouro”, no início do século 18, registros históricos apontam que havia sido explorado o produto no Brasil.

Existem relatos da região de Paranaguá, no Paraná, pelo menos algumas décadas antes, e de exploração em jazidas em São Paulo desde o século 16.

No entanto, foi após as descobertas na região de Minas Gerais, no fim do século 17, que o ouro se tornou o principal produto extraído da então colônia portuguesa. 

O número total de ouro retirado não é exato, alguns registros importantes se perderam, como durante o incêndio na Alfândega de Lisboa em 1764, e muitos mineiros e comerciantes contrabandeavam o produto, fugindo da tributação do quinto, o imposto real que cobrava 20% da produção de ouro.

Por isso, a estimativa do historiador Virgílio Noya Pinto, autor do livro “O Ouro Brasileiro e Comércio Anglo-Português”, é a mais amplamente utilizada por historiadores. Ele aponta que a produção brasileira durante o século 18 foi de aproximadamente 876.629 quilos.

Outra estimativa referenciada, do geólogo Pandiá Calógeras, inclui a Bahia nos cálculos e chega a 948.105 quilos.

“A gente nunca vai saber esse volume (do ouro levado para Portugal). Tenta-se estimar, principalmente com registros da chegada à Europa, e a gente consegue ter uma ideia”, disse à BBC o historiador Leonardo Marques, professor de América colonial na Universidade Federal Fluminense (UFF).

Ouro em solo europeu

Foto: Biblioteca Nacional

A maior parte desse ouro foi para a Europa, por isso o surgimento do meme. Para Marques, apesar de haver um anacronismo na brincadeira — quando usamos conceitos e ideias atuais para tentar analisar uma época completamente diferente—, ela faz ressurgir uma discussão sobre a herança colonial.

“Naquele momento, não havia uma separação entre Brasil e Portugal. Mas os efeitos humanos e ambientais da história da mineração são sentidos aqui até hoje, e não lá na Europa. Tudo aquilo que mudou o Brasil tem uma implicação de longuíssima duração”, diz.

A exploração do ouro no Brasil surgiu na época em que Portugal, a Europa e o mundo enfrentavam uma crise econômica. Parte dela foi devido à escassez de metais preciosos no mercado, após a euforia com as descobertas das minas de prata pelos colonizadores na América espanhola. Essa prata era usada como moeda de trocas comerciais e para fabricar moedas.

Além disso, a União Ibérica (a unificação das coroas espanhola e portuguesa) havia acabado, em 1640, e os holandeses tomaram diversos espaços dos portugueses na Ásia e a produção açucareira no Caribe ascendia.

O historiador Leonardo Marques aponta que após isso passa a existir um estímulo da coroa para busca de ouro no Brasil. “Há indícios de que alguns os colonos já usufruíam desse ouro antes, mas só no finalzinho do século 17 que isso explode e se torna público”, diz ele.

Marques acrescenta que na época, o Brasil se tornou o principal distribuidor de ouro no mundo.

Para onde foi o ouro brasileiro?

Foto: Jacques Lepine/ Estadão Conteúdo/ Reprodução/ R7

As minas eram exploradas por colonos, a maioria portugueses que usavam mão de obra escrava. O ouro era utilizado para fazer comércio no Brasil e para trocas comerciais em Portugal.

“Tem o clássico ouro usado nas igrejas de Minas, mas também tem ouro circulando em pó para trocas, compra e venda dentro do espaço colonial”, explica Leonardo Marques.

O pesquisador acrescenta que houve o enriquecimento de comerciantes em cidades próximas às minas, que vendiam produtos aos trabalhadores.

No livro O Ouro Brasileiro e Comércio Anglo-Português, o registro é de que “mais de quatro quintos da produção aurífera fluiu para a Europa, exclusivamente através da corrente do comércio, lícito ou ilícito”.

Noya Pinto explica que os mineiros, cada vez mais numerosos, precisavam de consumir comida e de roupas, e pagavam com ouro produtos vendidos por comerciantes das cidades. Esses comerciantes também pagavam com ouro para adquirir produtos de Lisboa. Por fim, os portugueses usavam o metal para pagar produtos manufaturados vindos de outras partes da Europa, principalmente de Londres.

Em resumo, grande parte do ouro do Brasil ia para Inglaterra, que estava se preparando para uma transformação econômica que aconteceu com a Revolução Industrial.

Por que foi parar na Inglaterra?

Foto: Getty Images

Desde o começo do século 18, a Inglaterra fazia acordos comerciais vantajosos com Portugal. As trocas levavam grandes quantidades de ouro brasileiro à Inglaterra. Isso porque Portugal tinha a moeda e os ingleses tinham os produtos para vender.

“O ouro do Brasil está cobrindo a dívida externa, digamos assim, de Portugal, principalmente na relação com a Grã Bretanha”, diz Leonardo Marques.

De acordo com Noya Pinto, em 1738, 8 mil kg de ouro foram necessários para os portugueses pagarem a diferença entre a importação e a exportação com os ingleses. “Podemos admitir que os ingleses absorviam quase 60%, somente com o comércio lícito”, descreve o pesquisador.

Leonardo Marques, da Universidade Federal Fluminense, aponta que o ouro brasileiro também era destinado à África. Para suprir a demanda de um Brasil cada vez mais populoso e produtor do minério, Portugal precisava comprar mais escravos. De acordo com Marques, aproximadamente 47 mil quilos de ouro podem ter sido usados para pagar por escravos na África Ocidental na primeira metade do século 18.

Parte do ouro ficava na África, onde contribuiu para a expansão do reino de Daomé (atual Benim). No entanto, a maioria ia para o noroeste da Europa, através de comerciantes britânicos e holandeses.

O que mudou no Brasil?

Foto: Biblioteca Nacional

A economia da colônia, que era principalmente litorânea, concentrada em torno de cidades como Salvador, Recife e Rio de Janeiro, passou a penetrar no interior. Isso fez definir um novo polo econômico mais no centro-sul, onde está até hoje.

“Alguns historiadores falam de espaço econômico do ouro, porque ele cria um conjunto de demandas que vai dinamizar a economia de forma completamente inédita, da pecuária à produção de alimentos”, explica Marques.

Para suprir essa demanda, o Brasil também vive uma explosão no número do tráfico negreiro. O banco de dados Slave Voyage aponta que no século 18 houve um salto no número de escravizados que chegam ao Brasil: de 910 mil no século 17, para 2,2 milhões no século 18. Já no século 19, 2,3 milhões chegaram.

“Muitos deles estão indo para atividades relacionadas ao ouro. Essa é a parte trágica da história”, diz Marques.

Além disso, Eschwege apontou que a facilidade com que muitos enriqueceram em pouco tempo no Brasil incitou a imigração de pessoas ativas em Portugal.

Por esses motivos, Marques destaca que muitos dos problemas que vemos no Brasil são resultado dessa exploração.

“Você forma uma sociedade escravista, uma das maiores, profundamente hierarquizada, você tem efeitos ambientais, devastação da mata atlântica, transformação da paisagem. Tudo isso está com a gente no Brasil até hoje”, aponta.

Por isso, para ele o meme coloca em destaque uma discussão que é maior que “devolve nosso ouro”. “Não é só o fato de que ‘Portugal tirou vantagem’, mas o desenvolvimento de Londres como centro financeiro mundial, do capitalismo, está ligado também a essa sociedade formada no Brasil”, reflete.

Fonte: BBC

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