Entenda o que é a ditadura da felicidade e como escapar dela

O psicólogo espanhol David Salinas escreveu o livro La Dictadura de la Felicidad (“A ditadura da felicidade”, em tradução livre), em que critica a imposição de ser feliz a todo custo.

Ele aponta que a crítica está no contexto de uma indústria da felicidade crescente que se potencializou com o grande número de livros de autoajuda que ensinam receitas para alcançar um bem-estar permanente.

O autor acrescenta que estava cansado de precisar “ser feliz”, já que essa construção mental para ele é falsa, visto que a felicidade não é uma meta a ser alcançada, mas sim um estado transitório. Em entrevista à BBC, ele abordou os principais mitos sobre a ideia da felicidade.

Para começar, Salinas explica que decidiu trabalhar com a terapia cognitivo-comportamental por focar mais no passado. No entanto, ele acrescenta que tenta ser eclético e acredita que o desempenho das outras escolas de terapia são muito importantes.

O que é a ditadura da felicidade?

Foto: iStock

De acordo com Salinas, cada pessoa pode entender a ditadura da felicidade de maneira diferente. “Eu entendo como uma imposição sociocultural, segundo a qual parece que é preciso sempre estar bem e não se permite que as pessoas fiquem mal.”

Logo em seguida, ele acrescenta que não se trata de acreditar que sempre tem que estar bem, mas de precisar estar sempre procurando a felicidade. “Com isso, é preciso estar sempre procurando um estímulo que nos dê felicidade”, explica o especialista.

Para Salinas, isso faz com que as pessoas se sintam pressionadas, tornando-as ainda menos felizes. “Parece que vivemos em um mundo onde não é permitido sentir-se mal. Se você se sente mal, parece que você fracassou como indivíduo.”

Ao ser questionado sobre a necessidade constante que as pessoas têm de se sentir bem, o escritor aponta que recebe algumas críticas por apontar que não existe problema em ser infeliz. No entanto, ele acrescenta que a maioria das pessoas estão cansadas de mensagens positivas e de livros que apontam o que deve ser feito para encontrar a felicidade.

Ele ainda acrescenta que ao seguir esses conselhos positivistas, as pessoas focam mais em si e acabam percebendo suas carências, suas limitações, seus complexos e seus traumas.

“É claro que eu também quero ser feliz, mas quero ser feliz com a consciência de que não vou alcançar a felicidade absoluta, nem uma felicidade que seja permanente, pois isso não existe.”

Por quem a felicidade é imposta?

felicidade

De acordo com Salinas, a felicidade virou um negócio. Apesar de não ver isso como um problema, ele aponta que não se deve vender um modelo de vida idealista que seja irreal. 

“Você pode dizer às pessoas que está certo fazer coisas para se sentir bem e aprender a crescer como pessoa, mas nem tudo é baseado na felicidade.”

O especialista afirma que tem certeza de que para alcançar a felicidade as pessoas precisam aprender a serem infelizes e a se moverem mesmo na infelicidade.

“Se você se permitir ficar mal, ficar frustrado e ter incertezas, poderá se mover por esses pântanos da infelicidade e alcançar estados de felicidade. Porque a felicidade é isso, um estado.”

Ficar alegre por ser infeliz

Foto: DAVID SALINAS/ via BBC

O psicólogo aponta que a frase “ficar alegre por ser infeliz” surgiu em sua cabeça durante um momento de crise.

“Foi nesse momento que pensei: estou triste… e me alegro com isso! A verdade é que me senti muito bem, pois o que realmente estava dizendo para mim mesmo é que o meu estado de ânimo não constitui a minha identidade.”

Salinas aponta que as pessoas possuem a tendência de construir nossa identidade em função das coisas que acontecem conosco e como nos sentimos com elas. No entanto, não é porque se sente mal que está infeliz. “São simplesmente momentos ou etapas da vida e podemos superá-las.”

O especialista aponta que a felicidade é um estado, e por isso é transitório. “Sentir-me triste em um momento não me torna uma pessoa infeliz. Isso me torna um ser humano e, como ser humano, também sinto infelicidade.”

Fonte: G1