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Fagoterapia: os vírus que combatem doenças humanas

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Após anos travando uma árdua batalha contra a fibrose cística – uma doença que ocasiona uma alta produção de muco nos pulmões e no pâncreas e deixa o organismo vulnerável a infecções bacterianas -, Esteban Diaz (nome fictício escolhido para ilustrar nossa matéria) aceitou o conselho da equipe médica que o acompanhava e entrou na lista de espera de transplantes de pulmão. Enquanto esperava ansiosamente a chegada de um novo pulmão, Diaz decidiu tentar um novo tratamento. Parra isso, precisou viajou para a Geórgia, ex-república soviética no Mar Negro. Ali, Diaz se submeteu à tão famosa Fagoterapia. Felizmente, o tratamento foi um sucesso pois, em poucos dias, as infecções cessaram e a permanente sensação de fadiga se exauriu, bem como a tosse e a falta de ar que, por décadas, o atormentaram.

Fagoterapia

Para entender melhor o caso de Diaz, precisamos, antes, tratar de alguns conceitos. Como se sabe, fagos ou bacteriófagos são vírus cuja natureza os incentiva a atacar bactérias, infectando-as, para, assim, se multiplicar dentro das mesmas até eliminar o hospedeiro microbiano. De acordo com os especialistas que atuam na área, há bilhões de fagos na Terra, os quais, consequentemente, coevoluíram com as bactérias que infectam.

Esses organismos foram utilizados pela primeira vez como principal esteio de uma sessão de terapia em 1919. O responsável pela façanha foi Felix d’Herelle, um microbiologista franco-canadense. Na época, o profissional recorreu aos fagos para tratar um jovem que sofria de disenteria severa. Com a descoberta da penicilina, em 1928, e com forte produção comercial da substância, a qual se deu em 1940, reinou-se a era dos antibióticos, o que, felizmente, fortaleceu, e de forma efetiva, a Fagoterapia, pois muitos pacientes passaram a se tornar resistentes ao medicamento.

Como a ciência está em constante evolução, a função dos fagos poderia ter sido facilmente esquecida. No entanto, graças à colaboração de d’Herelle e George Eliava, um cientista georgiano, a fagoterapia segue sendo um grande viés para a medicina. Basicamente, ainda podemos contar com esses organismos em sessões terapêuticas porque ambos os cientistas, após fundarem o primeiro instituto de pesquisa e centro terapêutico do mundo dedicado a bacteriófagos, contribuíram de uma forma inexplicável para a solidificação de inúmeros tratamentos e deixar de lado todo o conhecimento fornecido por esses profissionais seria mero egoísmo.

Mesmo com a morte de ambos cientistas, o patrocínio à pesquisa e o desenvolvimento de fagos para fins terapêuticos continuou no instituto. “A fagoterapia fazia parte do sistema de saúde padrão da União Soviética”, diz Mzia Kutateladze, diretora do Eliava Institute. “Dependendo do estado de saúde do paciente e do tipo de infecção, os médicos decidiam se deviam usar fagos ou antibióticos ou uma combinação de ambos”.

Sobrevivência

Nos anos que se seguiram, o instituto se viu obrigado a lidar com graves dificuldades. Para que os investimentos, o trabalho e a dedicação daqueles que atuaram no instituto não fosse deixado ao acaso, alguns dos pesquisadores chegaram até a armazenar de culturas de fago em suas próprias casas.

O instituto, que lutava diariamente para sobreviver, começou a apresentar seu trabalho em congressos internacionais no fim da década de 1990. Foi exatamente neste momento que a instituição conseguiu demonstrar ao mundo o potencial da fagoterapia. “Demorou muito para que as pessoas se convencessem de que os fagos podem ser usados ​​terapeuticamente”, diz Kutateladze. “Mas a resistência aos antibióticos reforçou a necessidade de encontrar alternativas”.

Em 2001, o instituto recebeu seu primeiro paciente estrangeiro. O sujeito, que era candense, sofria de osteomielite, uma infecção óssea bacteriana que, de acordo com os especialistas, os antibióticos não são altamente capazes de curar. Como o tratamento do canadense funcionou, a instituição passou a ocupar um lugar de destaque nos meios de comunicação, tanto nacionais quanto internacionais. Por conta das publicações, pessoas de diversas partes do mundo começaram a chegar ao Eliava Institute.

Cenário geral

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a resistência antimicrobiana (AMR, na sigla em inglês) é, basicamente, uma crise de saúde global. Atualmente, a OMS estima que até 30 milhões de pessoas no mundo serão afetadas pela condição até 2050. Esse é o principal motivo que estimula centenas de estrangeiros a buscar a fagoterapia na Geórgia. A demanda do instituto, ao longo anos, foi tanta que inúmeras agências de turismo médico surgiram para suprir o nicho, como, por exemplo, a do francês Alain Lavit e sua esposa georgiana Irma Jejeia. O casal tem ajudado inúmeras pessoas desde 2016, por meio de sua agência Caucasus Healing.

Segundo o casal, a maioria de seus clientes são franceses, mas, vez ou outra, surgem estrangeiros buscando os serviços da agência. Lavit e Jejeia explicam que todos podem também falar abertamente com a imprensa sobre os tratamentos realizados com fagos, afinal, as declarações dos clientes acabam fazendo uma publicidade maior da agência. Em contrapartida, essa divulgação parte apenas dos que têm interesse, pois muitos que possuem doenças crônicas, como a fibrose cística, “preferem manter o anonimato devido às complexas relações que desenvolvem ao longo da vida com seus médicos”.

“Não é ilegal ir para o exterior em busca de tratamento, mas muitos dos pacientes com fibrose cística com os quais trabalhamos estão preocupados em ofender seus pneumologistas, que consultam desde a infância, e a maioria dos médicos não sabe nada sobre fagoterapia, por isso sempre desaconselham”, diz Lavit. “A terapia fágica não os cura, mas ajuda sua condição”, acrescenta Lavit.

Milhões de pessoas no mundo já foram tratadas com fagos. Até hoje o Eliava Institute continua recebendo e tratando com sucesso pessoas de diferentes partes do mundo todos os anos. Mas foi somente há duas décadas que novos cientistas decidiram investir mais em em pesquisas sobre fagoterapia.

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