O processo de beatificação do Padre Cícero, divulgado neste sábado (20/08), foi autorizado pela Igreja Católica. Em uma missa realizada em Juazeiro do Norte, o bispo da diocese do Crato, Dom Magnus Henrique Lopes, leu um trecho da carta escrita pelo papa Francisco. A carta é essencial para a continuidade do processo, que pode levar à canonização.
De acordo com o vaticanista Filipe Domingues, doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, o processo é relativamente recente, considerando o percurso da igreja.
“No início da história, os santos eram proclamados santos por aclamação popular. As pessoas os veneravam depois da morte, consideram santo, e aí o bispo local dizia santo”, disse em entrevista ao G1. Ele também destacou a informalidade do processo.
No entanto, a igreja notou uma necessidade de ter maior controle desse processo. Com isso, haveria a possibilidade de uso político por reis ou famílias nobres, que buscavam “comprar” esse título, disse o especialista.
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De acordo com Filipe Domingues, a primeira necessidade é o reconhecimento local da pessoa a ser beatificada.
“A aclamação popular existe, e isso é para todos os casos”, disse. Ele acrescentou que a população precisa nutrir devoção pela pessoa a ser considerada santa. No caso do Padre Cícero, isso já existe.
No entanto, existe a necessidade de um fator concreto para a concessão do título. Para isso, o bispo se direciona ao Vaticano, apresenta o pedido para a Santa Sé e indica as propriedades do candidato para isso. Caso não haja impedimento, o papa em exercício autoriza o processo, que não tem previsão para ser finalizado, por meio de carta.
Logo depois da autorização, a diocese deve preparar um dossiê de pesquisa sobre a vida do candidato a santo. O levantamento deve conter depoimentos de pessoas que o conheceram ou de algum pesquisador.
“O santo não precisa ter vivido uma vida perfeita […] O importante é o processo que aquela pessoa viveu, de conversão de mobilizar outras pessoas para Deus”, afirma.
Além disso, o vaticanista explica que mesmo com Padre Cícero tendo vivido relações com a política e não sendo reconhecido pelo milagre da hóstia, isso não é um impedimento no processo. A objeção só aconteceria com a não conciliação do religioso com a Igreja Católica, que concedeu, em 2015, perdão a punições contra o padre.
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Após o processo ser finalizado, forma-se um tribunal eclesiástico diocesano, ainda em caráter local. Nele, o bispo nomeia um postulador, eleito para representar a causa em prol da beatificação. O postulador deve reconstruir a vida com outra pesquisa para demonstrar as virtudes santas do candidato.
O postulador seleciona um milagre e se volta à documentação dele, reunindo laudos médicos e outras provas que atestem a fundamentação do milagre em uma perspectiva divina. Depois da conclusão do levantamento, ele é levado pelo postulador ao Vaticano.
Ainda segundo o vaticanista, esse procedimento “pode demorar anos, mas eles tentam fazer rápido”. No entanto, ele acrescenta que o processo para beatificação deve esperar cerca de cinco anos depois da morte do candidato.
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No Vaticano, os trâmites passam a acontecer com o Dicastério para as Causas dos Santos. Esse setor da Cúria Romana faz análise do documento, em prazo também não definido.
Caso o Dicastério considere que o candidato é uma pessoa interessante para a beatificação, eles vão reconhecer que essa pessoa tem “virtudes heroicas”. Após isso, as virtudes serão apresentadas ao papa, que dará o seu parecer sobre o assunto. Se ele acatar as virtudes, o candidato passa a ser considerado “venerável”.
No entanto, para a beatificação, há a necessidade de avaliação de um milagre, que deve ter acontecido depois da morte do candidato.
“A ideia por trás disso é de que, se a pessoa está no céu ao lado de Deus, ela consegue interceder com Ele para a ocorrência junto dos que estão na Terra”, explica o especialista. Ele acrescenta que os milagres feitos em vida podem compor as virtudes do candidato.
O milagre escolhido para o exame deve ter comprovação de intercessão divina para existir, sendo provado por documentos que apontam que não existia explicação científica para a ocorrência.
Se o milagre for reconhecido, o Dicastério volta ao papa, que deve reconhecer o milagre. Caso isso aconteça, o Padre Cícero pode ser considerado beato, e a Igreja Católica autoriza a devoção local a ele.
No entanto, o vaticanista informou ao G1 que apesar da reverência da população ao Padre Cícero, ele não é acolhido pela Igreja Católica, a instituição que recebe as manifestações de fé das pessoas, que já tiveram maiores proporções.
A antecipação dessa devoção popular não é um problema desde que não tenha sido manipulada para acontecer. Caso a interferência fosse provada, a igreja não reconheceria a candidatura, e o processo “ficaria por isso mesmo”.
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Caso Padre Cícero seja beatificado, será realizada cerimônia no local em que ele fez sua vida pública. O evento marcaria a permissão da devoção local pela igreja, a qual deveria ser restrita a esse âmbito. No entanto, se acontecer outro milagre nesse tempo, o processo pode avançar para a canonização.
Esse processo deve chegar novamente ao papa, que pode proclamar o candidato santo. A pessoa que alcançou esse reconhecimento pode ter devoção mais ampla, com a criação de imagens, festas, paróquias e até igrejas alusivas ao santo é permitida.
“Ser santo significa dizer que a pessoa está no céu, com Deus, e de lá intercede pelas pessoas aqui na Terra”, explica o vaticanista. “Não é uma burocracia que a igreja faz só para cumprir tabela; é para verificar e chegar o mais próximo da verdade do que a igreja acredita.”
Fonte: G1