Curiosidades

Americano, estadunidense ou norte-americano? Disputa sobre o termo

0

Quando as pessoas vão se referir a uma pessoa que nasceu nos Estados Unidos da América elas podem usar vários termos, como americano, estadunidense ou norte-americano. Seja qual for o termo usado, de acordo com os manuais e dicionários da língua portuguesa, todos estão certos. No entanto, essa escolha pode revelar a maneira como a pessoa pensa.

De acordo com o Dicionário Houaiss, um dos mais conceituados do português, ele coloca os termos como equivalentes. “Americano = relativo aos Estados Unidos da América (United States of America) ou o que é seu natural ou habitante; estadunidense, norte-americano, ianque.”

No entanto, segundo a Fundação Alexandre de Gusmão, ligada ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, “A rigor, ‘americano’ é o gentílico de ‘América’ ou ‘Américas’; ‘norte-americano’, o gentílico de ‘América do Norte’; e ‘estadunidense’, o gentílico de ‘Estados Unidos’. Quando o contexto não permite interpretações dúbias, podem-se usar as formas ‘americano’ ou ‘norte-americano’ com referência aos EUA”.

Além deles, a professora e consultora de língua portuguesa Thaís Nicoleti também diz que o uso de cada termo é facultativo, mesmo a disputa sobre eles não sendo uma coisa nova.

“Vale notar que o nome do país é ‘Estados Unidos da América’, assim como o nome completo do Brasil, que já foi ‘Estados Unidos do Brasil’, é ‘República Federativa do Brasil’. ‘Estados Unidos’ ou ‘República Federativa’ dizem respeito ao tipo de país. O nome, de fato, é o que vem depois: América e Brasil”, disse ela.

Entretanto, os leitores de notícias e comentários das redes sociais têm criticado o uso do termo “americano”. Isso porque, se existe um continente “América”, como “americano” pode ser somente específico para um país?

Termo mais usado

Por mais que os brasileiros usem bem pouco o nome “América” para se referir aos Estados Unidos, o termo “americano” é o mais comum de se usar no nosso país. Já em outros idiomas, como o espanhol falado na América Latina ou o francês falado no Canadá, o termo mais usado é o equivalente a “estadunidense”.

“Acredito que isso tem muita a ver com o fato de que falantes da língua espanhola nas Américas têm mais identificação com o termo América e com outros países latino-americanos (especialmente onde falam espanhol) do que os brasileiros. A população brasileira em geral não se identifica tanto com o resto das Américas”, disse Sean Purdy, canadense e professor de História dos Estados Unidos na Universidade de São Paulo (USP).

Além disso, a consultora Thaís Nicoleti ressalta que “americano” é escrito assim no Brasil desde as obras dos escritores Machado de Assis e Lima Barreto. “O que atesta ter sido essa uma forma comum no final do século 19 e no início do século 20”, pontuou.

Disputa ideológica

termo

BBC

De acordo com os especialistas, usar o termo “estadunidense” seria causado por uma aversão ao imperialismo dos EUA. “Muitos pesquisadores querem distinguir os EUA do resto das Américas. Isso tem a ver com uma política anti-imperialista em relação aos EUA e também para reforçar as ligações e identidades entre Brasil e outros países latinos das Américas”, explicou Purdy.

Mas na visão de Thaís Nicoletti, o uso dos termos “estadunidense” ou “norte-americano” está ligado a publicações de esquerda em uma tentativa de “evitar que um só país, não por acaso a potência imperialista da América, tomasse para si o gentílico de todo o continente”.

A professora ressalta que esse argumento não tem fundamento, até porque o contexto não deixaria o leitor confundir o “americano” referente ao país com o seu homônimo se referindo ao continente.

“A meu ver, embora possam traduzir um posicionamento político, esses usos, por si sós, têm um efeito quase insignificante enquanto forma de resistência. Teriam de estar atrelados a uma valorização da nossa cultura e da língua portuguesa, que diuturnamente sofrem influência das modas vindas do ‘gigante do Norte'”, disse ela.

Mudança?

termo

BBC

Segundo Thaís explica, “regra” em língua é “regularidade”, ou seja, o que se repete com frequência. No caso dos gentílicos, por mais que haja alguns sufixos que apareçam com mais frequência, como o -ês de inglês, francês ou senegalês, existe uma diversidade grande de formas.

Como exemplo, a professora falou sobre o caso de “fluminense”, que designa tanto a pessoa que nasceu no Estado do Rio de Janeiro como quem nasceu na cidade do Rio de Janeiro até o começo do século XX. Depois, o “carioca”, que no começo tinha um sentido pejorativo, acabou sendo adotado pela população da capital.

“Toda essa discussão sobre o uso de qual termo é legítima. Mas a eventual adoção majoritária do termo estadunidense, por exemplo, vai depender se houver mudanças significativas nas relações sociais, relações de poder entre países, identificação mais próxima com outros países latino-americanos. Não vejo isso acontecendo no futuro próximo”, pontuou Purdy.

“Em língua, nem tudo se reduz ao ‘certo/errado’ — aliás, tudo sempre pode ser aprofundado”, completou Thaís.

Fonte: BBC

Imagens: BBC, Twitter

Cachorros esportistas participam de campeonato de surfe na Califórnia

Artigo anterior

O que é agnosia visual e como esse distúrbio é causado

Próximo artigo

Comentários

Comentários não permitido