Restrita a homossexuais, a legislação para ser doador sangue é questionada há anos pelos movimentos LGBT´s. Recentemente, o debate voltou a ganhar repercussão internacional, principalmente após os ataques que ocorrem na boate Pulse, em Orlando, nos Estados Unidos, e que mataram 50 pessoas e deixaram pelo menos 53 feridas, em 12 de junho.
O PSB (Partido Socialista Brasileiro) aponta que há várias contradições nas normas publicadas pelo governo federal, em julho, quando a medida era discutida em Brasília. Alvo das críticas do partido, a portaria 158/2016 do Ministério da Saúde e a resolução 43/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) restringem, por ‘questões de segurança’, a doação por parte de homens e mulheres, homossexuais, que mantiveram relações sexuais nos últimos 12 meses.
Os advogados do PSB, todavia, argumentaram que as normas escancaram um “absurdo tratamento discriminatório por parte do Poder Público em função da orientação sexual”. Em nota, a Anvisa explicou que, como requisito para a produção de hemocomponentes seguros, os candidatos devem ter diversos critérios avaliados.
“As normativas brasileiras consideram vários critérios de inaptidão de doadores de sangue associados a diferentes práticas e situações de risco acrescido tais como portadores de diabetes, vítimas de estupro, profissionais do sexo, indivíduos com ‘piercing’ ou tatuados, parceiros sexuais de hemodialisados, entre outros, e não se restringe apenas aos homens que fizeram sexo com outros homens (HSH)”, diz a nota.
Preconceito
Criado em 1997, o Grupo de Pais de Homossexuais, primeira associação brasileira para pais e filhos LGBT, criticou a proibição de que homossexuais não podem doar sangue. A escritora e psicanalista Edith Modesto disse que a medida parte do princípio de que todo homossexual tem alguma doença, e isso seria o fator principal para a discriminação.
“Isso é de um preconceito extremo, é terrível. Eu me pergunto há anos porque homossexuais não podem doar sangue, acho um absurdo, eles têm a obrigação de analisar cada amostra por doenças”, reitera a psicanalista.
Edith publicara inúmeros livros sobre o assunto, e seu grupo já participou de vários abaixo-assinado junto com outras ongs brasileiras. “Eu fico sem palavras, o que a gente pode falar para um pai e para uma mãe que perderam o filho ou filha dessa forma, com esse teor de violência e ódio?”, lamenta Edith, referindo-se ao ataque que ocorreu em Orlando.
Ativista do movimento LGBT, a médica Ana Paula Amorim disse que os testes de doenças sexualmente transmissíveis nas bolsas de sangue são muito mais seguros. “Não se faz somente um teste anti HIV nas bolsas de sangue. Elas ficam em quarentena para serem testadas novamente, de acordo com a janela imunológica. Além disso, a sensibilidade do teste de HIV é muito alta e isso aponta muitos falsos positivos na triagem inicial”, afirma.
Poder público
As regras do Brasil são questionadas no STF (Supremo Tribunal Federal) pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Em junho, o ministro do STF, Edson Fachin, abreviou a tramitação e decidiu que ela vai ser julgada no mérito, sem concessão de medida liminar.
O ativista LGBT e presidente fundador da ONG Grupo Dignidade, de Curitiba, Toni Reis, declarou que orientação sexual não pode ser fator determinante para se doar sangue. “Todo sangue recebido no país é testado para averiguar qualquer tipo de contaminação. Se existe risco, ele existe para todas as amostras”, pondera à EBC.
Defensor público federal, Erik Boson classificou as regras vigentes como “discriminatórias” e apontou que ela ajuda a “estigmatizar a população gay”. “A previsão alimenta, reproduz e reforça a discriminação já existente na sociedade”, acrescentou.
Outros critérios
O Ministério da Saúde ainda lembra que a realização recente de cirurgias e exames invasivos, vacinações, ingestão de medicamentos, tatuagens feitas nos últimos 12 meses e, também, histórico de infecções podem tornar o doador inapto por certo tempo.
Na lista, também, entraram práticas variadas de que deixem o candidato vulnerável a adquirir infecções, viagens a locais que há grande incidências de doenças que impactam na temperatura do corpo do doador, na hora.
Pelo mundo
Nos EUA, a legislação diz a mesma coisa que no Brasil: “homens que tenham mantido relações sexuais com outro homem no último ano não podem doar”. A determinação faz com que, na prática, integrantes desse grupo sejam impedidos de fazer doação.
Em maio deste ano, o presidente Barack Obama propôs o fim do impedimento, que se limitaria aos 12 meses anteriores à coleta. Ativistas LGBT encararam a eventual mudança, que ainda se encontra em consulta popular, como uma eventual vitória.
“A mudança é um passo inicial imenso e uma vitória parcial para homens gays e bissexuais, assim como os receptores de doação de sangue. Apesar disso, a revisão não é menos discriminatória do que a anterior”, afirmou à BBC Brasil Ryan James Yaze, um dos principais ativistas sobre o tema dos EUA.
No Canadá, em contrapartida, o prazo considerado como “janela imunológica” – período em que o vírus pode ficar incubado no organismo – é de cinco anos. Além do Brasil, Canadá e EUA, Austrália e França também consideram o intervalo de restrições de doações para 12 meses.
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Movimento global em defesa dos direitos LGBT, no primeiro semestre deste ano, a All Out chamou atenção para os 18 milhões de litros que são doados no Brasil. Em 2014, aproximadamente 1,8% da população doou 3,7 milhões de bolsas. O ideal da ONU é que 3% a 5% da população seja doadora.
“Em nosso vídeo, queremos causar o impacto necessário para que os usuários acessem o site do Senado com nossa proposta e apoie. Não interessa se a pessoa é boa, má, corrupta ou não. Só teremos um primeiro passo caso consigamos os 20 mil apoios”, completa Álvaro Carvalho, co-diretor da campanha.