A impressionante imagem da maior erupção solar já registrada foi divulgada pela Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês). Ela foi capturada pela nave espacial Solar Orbiter, em uma missão conjunta da ESA e da Nasa.
Ao ver a imagem, o cientista espanhol José Carlos del Toro Iniesta afirma ter ficado atônito.
“Sou especialista em física solar, mas antes de tudo sou um ser humano e meu primeiro sentimento é o de qualquer ser humano: a estupefação perante a beleza. Se algo nos diferencia como seres humanos é que sabemos distinguir, compreender e comunicar a beleza. É o que dá sentido à nossa vida”, disse ele para a BBC
De acordo com Dele Toró Iniesta, pesquisador da missão Solar Orbiter e professor do Conselho Superior de Pesquisas Científicas (CSIC, na sigla em espanhol) do Instituto de Astrofísica da Andaluzia, na Espanha, a imagem mostra uma erupção de protuberância solar.
“As protuberâncias solares (nem sempre, mas em muitos casos) entram em erupção, expulsam material solar para o meio interplanetário e esse material acaba por chegar à Terra”, segundo ele. “São regiões do Sol onde o material é mais denso e frio que nas suas vizinhanças, mas se mantém suspenso sobre a superfície devido à ação do campo magnético.”
De acordo com o cientista, quando o campo magnético é reconfigurado por causa de alguma perturbação, a topologia é alterada. Assim como, a energia armazenada é transformada em energia cinética, o que acaba expulsando o gás movimentado.
Para Del Toro Iniesta a imagem captada pelo Solar Orbiter “é absolutamente espetacular porque mostra material solar saindo literalmente do Sol a distâncias de vários raios solares, mantendo sua continuidade. Neste sentido, é a maior erupção solar já observada.”
A imagem também impressiona por mostrar o disco solar completo. O especialista destaca que “normalmente, nós, físicos solares, tendemos a observar em detalhes pequenos pedaços do Sol, não a estrela inteira”.
Os perigos das tempestades solares
No caso da imagem da ESA é possível observar que a ejeção de material solar estava se afastando da Terra. Mas o que acontece quando as partículas chegam ao planeta?
“Esse material se desgarra do Sol, viaja pelo espaço interplanetário e chega até a Terra, produzindo as famosas tempestades solares. O nome correto seria tempestades geomagnéticas, porque é na Terra que a tempestade está sendo produzida, embora sua origem seja solar”, informa Del Toro Iniesta.
Ele acrescenta que “basicamente, as partículas solares são ejetadas com grande energia, em velocidades muito altas, às vezes quase relativistas, de um terço ou um quarto da velocidade da luz – algo assombroso. Essa energia cinética do material, quando chega à Terra, encontra nosso escudo protetor, que é o campo magnético terrestre.”
“As partículas são basicamente prótons – átomos de hidrogênio cujo elétron foi arrancado. Elas estão carregadas eletricamente e, quando chegam ao campo geomagnético, são obrigadas a mover-se ao longo das linhas de campo”, explica o físico.
“Ao aproximar-se do planeta pelos polos, são primeiramente formadas as auroras que estamos acostumados a ver e são o mais belo efeito dessas tempestades solares. Mas elas não são o único efeito.”
Iniesta explica que quando a energia das partículas é muito grande, o choque pode vencer o escudo geomagnético e atingir zonas da atmosfera mais próximas da Terra, o que afeta os sistemas de GPS utilizados em automóveis.
Já se a órbita do satélite sofrer alterações, “perdemos precisão, o que, no nosso caso, pode ser um pouco preocupante”. O físico acrescenta que: “se o satélite estiver sendo utilizado por um navio com milhares de toneladas de petróleo e muito dinheiro envolvido, ou um avião transoceânico de passageiros (que são os mais vulneráveis a esses bombardeios de partículas porque viajam pelos polos), isso poderia colocar em perigo a vida dos passageiros.”
“De fato, a Estação Espacial Internacional possui um quarto do pânico – uma câmara encouraçada com grande espessura de chumbo, para que, quando essas tempestades solares forem produzidas, o bombardeio de partículas não chegue a afetar os astronautas”, explica o especialista.
Vale lembrar que erupções solares já provocaram um apagão de várias horas em 1989, em toda a costa leste do Canadá e dos Estados Unidos. O físico acrescenta que a vida atual depende de tecnologia e é cada vez mais vulnerável a esse tipo de fenômeno.
A missão Orbiter
De acordo com o físico, a missão Solar Orbiter permitirá que os cientistas realizem novas observações. Além disso, “reúne, pela primeira vez, instrumentos de sondagem remota e de medição local”, explica o especialista.
“Os aparelhos de sondagem remota são aqueles que estão olhando para o Sol à distância a partir da nave, como o instrumento que produziu a foto.”
O especialista acrescenta que por meio dos objetos de medição local será possível medir as partículas encontradas durante a viagem. “Como essas partículas têm sua origem no Sol, pela primeira vez temos meios de compreender as medições das partículas locais e sua origem”, explica .
“Estamos nos aproximando até a órbita do planeta Mercúrio. Ficaremos muito próximos com essa bateria de instrumentos, o que nos fornecerá informações para entender muitas coisas”, afirma Iniesta.
Um dos objetivos dos cientistas é entender como o Sol produz fenômenos que geram consequências para a heliosfera e o meio interplanetário. O físico espanhol explica que “a heliosfera é o pedacinho do universo em que o Sol possui influência ostensiva. Entender essa origem e o comportamento desses fenômenos é algo fascinante.”
Del Toro Iniesta acrescenta que existem perguntas que ainda precisam ser respondidas, como o porquê de onde parte a protuberância – a coroa solar – ser muitíssimo mais quente que a superfície.
“Na superfície, temos 6.000 graus Celsius e, na coroa, temos milhões de graus. Isso não é normal. Por quê? Podemos comprovar isso em casa – o quente esquenta o frio e a fonte de calor está no centro do Sol.”
Assim a pergunta sobre de onde vem a energia transportada pela radiação. Apesar de acreditarem que ela seja canalizada pelos campos magnéticos e que outros processos que não são térmicos transportem energia do interior para fora, isso não é confirmado.
“E, como essa, existem muitas outras perguntas”, finaliza Del Toro Iniesta.
Fonte: BBC