Curiosidades

Casal japonês desafia a antiga ‘lei do sobrenome’

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Natural de Tóquio, a professora de inglês Mari Inoue ficou noiva do namorado, Kotaro Usui, há três anos. Mesmo tendo vontade de consagrar o amor, o casamento, no momento, é totalmente inviável. E não, o motivo não é a pandemia ocasionada pelo novo coronavírus e sim uma lei japonesa – totalmente arcaica -, a qual basicamente exige que todos os casais que queiram se casar devem adotar o mesmo sobrenome.

Conforme expôs uma reportagem publicada pela BBC, a lei permite qualquer um dos cônjuges abrir mão do sobrenome, no entanto, o comum é que a mulher adote o sobrenome do futuro marido. Segundo um recente estudo, 96% das mulheres que se casaram nos últimos anos aderiram ao sobrenome do marido. “Acho isso muito injusto”, diz Inoue. “Devemos ter a escolha (para manter ambos)”.

Usui concorda com a noiva, tanto que até cogitou a ideia de se tornar um Inoue. Em contrapartida, muitos de seus familiares demonstraram ser contra a decisão. “Não quero deixar nenhuma família triste”, afirma Usui. “Gostaríamos de poder escolher entre mudar ou manter o nome”.

Mesmo sendo uma economia avançada, o Japão, de acordo com a BBC, é a única nação no mundo a estabelecer uma lei que determina os casais a adotarem o sobrenome de um dos cônjuges após o casamento. Para um comitê da Organização das Nações Unidas (ONU), a lei é discriminatória, principalmente às mulheres.

A BBC revelou que, há seis anos, duas grandes ações judiciais tentaram alterar as regras. No entanto, nenhum obteve êxito. Mesmo assim, um movimento pela mudança, o qual conta com o apoio de Inoue e Usui, tem ganhado cada vez mais força.

Batalha

Todos nós sabemos que o sobrenome é sinônimo de poder, de reconhecimento. Em 1605, na Inglaterra, acreditava-se que se uma mulher mantivesse seu sobrenome de solteira, a atitude poderia ser considerada uma ambição imprópria. Nesse ínterim, aquelas que desafiavam manter o sobrenome acabavam tendo que lidar com uma resistência, digamos, impetuosa.

Muitas mulheres conseguiram mudar o cenário, mas somente no final do século XIX – e por meio de processos judiciais. Obviamente, a conquista foi vista como um marco histórico.

Nos Estados Unidos, a situação, antigamente, era praticamente a mesma e só ganhou um novo rumo em 1972, quando uma série de processos judiciais permitiu às mulheres usarem os sobrenomes que quisessem.

Hoje, inúmeros japoneses acreditam que a situação também deve mudar. Kaori Oguni é uma das cinco pessoas que recentemente abriram processos contra o governo, “argumentando que a lei de sobrenomes era inconstitucional e violava os direitos humanos” – conforme revela a BBC.

Ao que parece, a Suprema Corte do Japão ainda prefere manter a regra do século 19. Ironicamente, os únicos que não precisam respeitar a lei são os japoneses que se casam com estrangeiros. “Eu esperava que o tribunal respeitasse os direitos individuais”, declarou Oguni, que ainda usa seu nome de nascimento informalmente.

Lutas e mais lutas

O motivo de tantas vozes não serem ouvidas no Japão envolve o fato da esfera política ser dominada por homens, o que faz o sexismo prevalecer. Naho Ida – nome de seu ex-marido -, profissional de relações públicas em Tóquio, aceitou, desde 2018, lutar contra tal mentalidade. Desde então, a profissional tem pressionado os parlamentares a apoiar a adoção de sobrenomes separados.

Para Ida, “a convenção do sobrenome é uma prova da subordinação (feminina)”. “Me senti invadida pelo meu novo sobrenome”, explica. “Sinto que é uma morte social”, diz ela à BBC.

A posse de Yoshihide Suga como primeiro-ministro do Japão em 2020 acendeu – mesmo que brevemente – a chama da esperança entre alguns ativistas. No entanto, em dezembro, o governo decidiu parar de valorizar o empoderamento das mulheres após apresentar um plano de igualdade de gênero diluído, o qual, claramente, omitia a questão do sobrenome.

“Pode destruir a estrutura social baseada nas unidades familiares”, alertou Sanae Takaichi, ex-ministra. Para muitos, “uma mulher que não quer usar o nome do marido perturba muito mais do que o núcleo familiar, ela perturba toda a ideia de família”, afirma Linda White, professora de Estudos Japoneses no Middlebury College, nos Estados Unidos.

A profissional acredita que o koseki (sistema tradicional de registro de família) do Japão, o qual baseia-se em famílias de sobrenome único, é o que ajuda a manter o controle do patriarcado, seja no governo, seja nas grandes empresas.

Sobrenome

De acordo com uma série de pesquisas que foram feitas recentemente, parte da sociedade japonesa é a favor dos casais manterem os sobrenomes que quiserem. Segundo um levantamento realizado em outubro do ano passado pela Chinjyo Action e da Waseda University, em Tóquio, 71% dos entrevistados demonstraram que as pessoas deveriam ter o poder de escolha.

“É mais uma questão de identidade individual e liberdade” do que feminista, explica a advogada Fujiko Sakakibara, de 67 anos. “Queremos mostrar que isso afeta tanto os homens quanto as mulheres”.

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