Uma teoria que sugere que a realidade é simulação, moldada pela nossa consciência, gera controvérsia entre estudiosos da física quântica. Para esses pesquisadores, a ideia proposta pelo físico americano Thomas Campbell mistura ciência com metafísica e filosofia.
Campbell ilustra seu pensamento com uma analogia de um videogame, no qual o ambiente do jogo é gerado conforme o jogador avança.
Para otimizar o uso da “memória” do sistema, com recursos limitados, a realidade seria criada apenas conforme a “exploração” dos jogadores. Um exemplo similar pode ser visto no filme “Matrix”.
Em 2017, o físico e seus três colaboradores publicaram na revista International Journal of Quantum Foundations uma proposta de uma série de experimentos para testar a hipótese da simulação.
Em um site dedicado à discussão do tema e à arrecadação de fundos para o teste da hipótese, foi informado que foram coletados US$ 236 mil para o projeto (R$ 1,3 milhão) — essa atualização é de 2018.
A física quântica surgiu no século passado para descrever o comportamento dual de átomos, elétrons e fótons, que se comportam simultaneamente como partículas e ondas.
Experimentos
O experimento da fenda dupla ilustra bem essa dualidade. Nesse experimento, um feixe de luz incide sobre uma tela onde os fótons deixam marcas semelhantes a pontos.
No caminho do feixe, há uma placa opaca com duas fendas através das quais os fótons — que são as partículas da luz — podem passar.
Cada fóton individualmente atravessa apenas uma das fendas, comportando-se como uma partícula. No entanto, quando o feixe de luz passa pelas fendas e chega à tela, observa-se um padrão de interferência: em alguns pontos caem muitos fótons, enquanto em outros, poucos.
Isso indica que há um padrão alternado de intensidade luminosa, típico das ondas. Um fenômeno semelhante ocorre, por exemplo, quando duas ondas se encontram na água, onde suas oscilações podem se reforçar ou se cancelar.
No experimento da fenda dupla, o comportamento do fóton como partícula ou onda depende se o trajeto estava em observação ou não.
Quando o caminho do fóton é detectado, ele se comporta como uma partícula, passando por uma das fendas. No entanto, se não houver observação, o padrão observado é o de interferência, característico das ondas.
Após um século de pesquisas, ainda não se compreende completamente o motivo dessa mudança de comportamento.
No mundo macroscópico, não encontrou-se nada que se comporte dessa maneira, explica o professor Pablo Lima Saldanha, do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Realidade é simulação
Thomas Campbell busca aprofundar a compreensão dessa ideia de que realidade é simulação ao sugerir que a presença de consciência influencia se o comportamento do mundo microscópico será de partícula ou onda.
Para testar essa ideia, a equipe de Campbell pretende realizar um experimento semelhante ao da fenda dupla, mas com uma abordagem diferente. Ele iria monitorar o trajeto dos fótons e, em seguida, destruir parte dos dados.
Isso, segundo os autores, seria como afirmar que nunca detectaram os fótons, assumindo que se comportavam como ondas.
No entanto, Saldanha acredita que a proposta de Campbell violaria as regras da mecânica quântica, cuja matemática tem previsto corretamente os resultados dos experimentos desde sua criação.
Ele considera a hipótese de Campbell “altamente implausível” e afirma que, se testada, provavelmente resultará em conclusões inconclusivas.
O professor argumenta que destruir a memória dos dados é irrelevante, pois a natureza já registrou a passagem dos fótons de outras maneiras — por exemplo, o dispositivo se aqueceu ao detectar a passagem. Portanto, um padrão de interferência não surgiria.
Acacio de Barros, professor na Universidade Estadual de São Francisco (EUA), é cético quanto à essa proposta. Para ele, “ninguém entende realmente a mecânica quântica”. Assim, às vezes, o que ocorre é um “ato de desespero” para tentar compreender algo tão enigmático.
Idealismo metafísico
Augusto César Lobo, professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), explica que Campbell segue uma abordagem de idealismo metafísico.
Enquanto os materialistas acreditam que o mundo pode se explicar apenas por átomos e moléculas, Campbell defende que a consciência é fundamental.
Embora a perspectiva filosófica de Campbell envolva algum ceticismo por alguns pesquisadores, o professor da UFOP considera importante acompanhar os resultados das pesquisas experimentais conforme a divulgação.
Para ele, não existe na história da física algo comparável à mecânica quântica em termos de diversidade de opiniões.
A mecânica quântica estimula a imaginação e oferece várias formas de interpretar o mundo. Outras hipóteses também associam o comportamento dual do mundo microscópico à consciência. Seja como for, estamos longe de uma resposta concreta.
Fonte: Folha de São Paulo