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Como o lítio mudou a história da saúde mental

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O lítio foi transformado em droga psiquiátrica pela primeira vez pelo médico australiano John Cade. O metal alcalino conseguia neutralizar as mudanças de humor de pessoas que portam algum distúrbio psíquico.

Do Big Bang à febre do lítio

Foto: Getty Images

O lítio é chamado “ouro do futuro” no século 21, devido ao seu uso em baterias de produtos eletrônicos e na indústria de veículos automotores.

Os cientistas acreditam que o lítio — o mais leve dos metais — é  um dos três elementos criados com o Big Bang, ao lado do hidrogênio e do hélio. 

James Russell afirma que os registros do uso terapêutico do lítio remontam ao século 2° d.C. Na época, o médico Sorano de Éfeso recomendava banhos em cachoeiras de águas alcalinas para as pessoas que sofriam de “manias e melancolia”.

No século 20, o metal voltou a ser usado nos tratamentos de melancolia e euforia. Para Walter Brown, psiquiatra e pesquisador sobre saúde mental, dois aspectos são fundamentais para explicar isso: as características da psiquiatria até a conversão do lítio em produto farmacêutico e o contexto que levou à descoberta de John Cade em 1949.

“Até aquele momento, não havia drogas para a saúde mental. As pessoas usavam opioides e às vezes recebiam estimulantes ou sedativos. O lítio foi a primeira oportunidade de tratamento eficaz dos sintomas de uma doença psiquiátrica”, disse Brown à BBC News Mundo.

Os tratamentos de condições de saúde mental incluíam internações em hospitais psiquiátricos, onde podiam induzir ao coma. Além disso, eram aplicados choques elétricos e, nos anos 1940, e princípio dos anos 1950, foi muito utilizada a lobotomia.

Quando descobriu o lítio como droga, John Cade era um psiquiatra jovem e desconhecido. Ele trabalhava em um hospital de Melbourne, na Austrália, sem treinamento formal, sem bolsa de estudos e sem colaboradores. Seu laboratório ficava na cozinha do hospital.

“Ele começou a administrar sais de lítio a cobaias e percebeu que elas ficavam relaxadas. Mas é preciso dar-lhe crédito porque ele observou essa reação e imaginou que poderia funcionar com as pessoas, com pacientes maníacos. Dar este salto, para mim, é muito intuitivo e reflete suas capacidade de observar sem preconceitos.”

Lítio no sangue

Mesmo que os 10 pacientes iniciais de John Cade tenham demonstrado melhoras em sua saúde mental, alguns deles sofreram severas intoxicações com muita rapidez. Cade acreditava que o lítio era perigoso e não deveria ser receitado.

Já outros médicos na Austrália, como Edward Trautner, afirmavam que era possível medir a quantidade de lítio no sangue dos pacientes e assim evitar a intoxicação.

De acordo com o presidente da Sociedade Argentina de Psiquiatria, Ricardo Corral, existe uma “janela terapêutica” entre um limite mínimo (na qual o lítio não é eficaz) e um máximo (em que o lítio é tóxico). 

No entanto, enquanto na Austrália os médicos descobriam como lidar com a toxicidade do lítio, nos Estados Unidos essa toxina fez o metal ser retirado de todas as farmácias, lojas e até de uma marca de refrigerante.

Medo de intoxicação

Foto: Getty Images via BBC

Nos anos de 1940, era comum usar o lítio para substituir o sódio, outro metal alcalino presente no sal marinho e nos saleiros de todas as cozinhas. Isso porque o consumo excessivo de sódio pode causar hipertensão arterial, problemas cardíacos e insuficiência renal.

“Nos últimos anos da década de 1940, as pessoas começaram a usar cloreto de lítio nos Estados Unidos como substituto do sal para as pessoas que precisavam de alimentação com baixo teor de sódio. E muitas delas se intoxicaram, envenenaram-se e algumas morreram”, informa Brown.

A Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) proibiu o lítio e seu uso em outras substâncias. Ele também foi retirado do refrigerante 7 Up, que incluía o lítio como um de seus ingredientes.

“A FDA enviou seus agentes para retirá-lo das prateleiras das farmácias e esse medo da toxicidade do lítio permaneceu na mente dos médicos e do público em geral”, relata Brown.

O psiquiatra aponta que isso era para que o lítio não fosse tão receitado para o tratamento da bipolaridade nos Estados Unidos. Brown acrescenta que o uso do metal também foi impactado pelo grande número de empresas farmacêuticas que usou marketing agressivo e promoções para vender outras drogas para tratar esses transtornos.

“Por isso, estima-se que, nos Estados Unidos, apenas 10% dos pacientes que poderiam beneficiar-se com o uso do lítio realmente o utilizam, enquanto, em outros países, como os europeus, seu uso é de 50%”, aponta Brown.

Suicídio e euforia 

Foto: Getty Images via BBC

Segundo o psicólogo holandês Douwe Draaisma na revista Nature, o transtorno de bipolaridade atinge uma em cada cem pessoas no mundo. Caso não seja tratado, se transforma em um ciclo constante de euforia e depressão. Por isso, o risco de suicídio é alto.

“As taxas de suicídio para os pacientes sem tratamento são 10 a 20 vezes mais altas que no restante da população”, segundo ele.

Além disso, os portadores desse transtorno podem sofrer grandes riscos nos momentos em que parecem entusiasmados e animados. A psiquiatra Iria Grande, da Sociedade Espanhola de Psiquiatria e Saúde Mental, explicou à BBC News Mundo, que o estado de euforia pode fazer as pessoas gastarem muito dinheiro ou ter delírios megalomaníacos.

Além dos dois extremos, Eduard Vieta aponta que a doença foi relacionada à criatividade de compositores, artistas, poetas e escritores.

O impacto do lítio

Para Brown, a descoberta do lítio foi a mais relevante da história da psiquiatria no século 20. “Depois, nos anos 1950, surgiram outras drogas psiquiátricas, como as usadas contra a esquizofrenia. E, no final daquela década, os antidepressivos, mas o lítio foi o primeiro.”

Já Vieta afirma que “o primeiro certamente foi o lítio, mas o que teve impacto brutal na história da psiquiatria foi a clorpromazina, apresentada aos psiquiatras e que permitiu dar alta a centenas de milhares de pacientes”.

Fonte: G1

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