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Homem levado pela polícia aos 14 anos é aprovado na OAB aos 23

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O jovem Alex de Jesus, de 23 anos, sentiu uma alegria se espalhar por todo seu corpo, assim como milhares de formados em direito sentiram no mês de janeiro. Isso porque é um mês em que descobrem que passaram na prova da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), exigência para exercer a profissão de advogado. A prova é conhecida por sua dificuldade.

jovem advogado

Arquivo pessoal

Assim, aquele momento em que descobriu sua aprovação foi um dos mais felizes de sua vida. Ele estava na laje de sua casa, com vista para a comunidade Filhos da Terra, na zona norte de São Paulo, onde mora desde seu nascimento. O jovem pulou e chorou de tanta emoção ao lado de seu irmão e sua mãe, que trabalha como empregada doméstica. Seu pai, que trabalha como pedreiro, também se emocionou.

Esse sucesso foi sentido profundamente não só porque o jovem é morador de comunidade e filho de pais sem educação formal. Sua mãe aprendeu a ler na idade adulta e sempre dizia que teria um filho “doutor”, inclusive. Mas a maior parte da emoção é porque Alex teve uma passagem pela Fundação Casa, quando tinha apenas 14 anos, por porte de arma de fogo.

“Passar na OAB significa muito para mim não só porque foi um grande orgulho para a família, mas pensando nesse passado, nos envolvimentos errados, em como eu poderia ter acabado indo por um outro caminho. Mostra que é possível a gente voltar pro caminho certo na vida”, diz ele à BBC News Brasil. Isso antes de mostrar uma reportagem de 2013 que falava do momento em que ele levou uma arma para a escola.

Fundação Casa

Não há estatística sobre a porcentagem de jovens com passagem pela Fundação Casa que fizeram faculdade ou conseguiram se posicionar bem no mercado de trabalho. Assim, a Fundação Casa tem como objetivo ressocializar menores infratores. No entanto, a entidade está no processo de criação de um programa para fazer esse acompanhamento. “Às vezes o jovem só precisa de uma oportunidade, de uma chance, de um exemplo”, diz Alex.

No ano de 2020, 56 jovens que estavam na Fundação Casa tiveram nota suficiente para disputar no Enem vagas em instituição de ensino superior. Já o índice de reincidência em infrações foi de 26% em 2021.

Durante sua infância, Alex e seu irmão já precisavam se cuidar sozinhos. “Assim que crescemos um pouquinho a gente já ficava sozinho em casa, porque meus pais tinham que trabalhar, a escola não era integral, eles não tinham ficar com a gente ou como pagar alguém para olhar a gente”, diz Alex.

Sem supervisão durante as tardes, Alex e seu irmão passavam muito tempo na rua, onde acabaram tendo maus exemplos, segundo Alex. “A gente ficava na rua, e crescendo na comunidade você convive com tudo, desde os velhinhos simpáticos até com o maior bandido que tem ali.”

Assim, na adolescência, perceber a falta de dinheiro da família começou a gerar uma série de angústias. “A gente via meus pais trabalhando pra danar, mas o dinheiro nunca dava. Quando eu era novo perdemos quase tudo porque a casa, que era abaixo do nível da rua, inundou durante uma chuva”, conta.

“Às vezes eu me pegava chorando e comecei a pensar que precisava fazer alguma coisa. Consegui meu primeiro emprego de cobrador de lotação aos 13 anos.”

Entrada no crime

“Mas eu ganhava muito pouco. Aí infelizmente veio uma ideia errada… dá para seguir outro caminho, mas eu entrei numa esteira que levava pro caminho errado. A gente via os caras vendendo droga e ganhando em um dia o que minha mãe ganhava no mês”, diz ele, que começou a vender também maconha e cocaína.

“O problema é que a gente começou a usar também, fumar maconha e, mais tarde, a cheirar”, conta Alex, hoje ciente dos danos de saúde física e mental resultantes do uso de drogas na adolescência. Quando começaram a temer pela própria segurança, os adolescentes furtaram um revolver, que nunca chegaram a usar.

“Não era para roubar, eu não tinha coragem de fazer isso, eu sempre falava para o meu irmão: droga a gente não tá tirando de ninguém, a gente só vende para quem quer comprar. Mas roubar não, vou tirar de outra pessoa que também trabalha, que também tá lutando pra viver”, diz ele.

“Mesmo assim era um pensamento errado de querer vender droga, hoje eu sei. Mas infelizmente a gente acabou se envolvendo com essas coisas, acabou tendo essas ideias, éramos jovens, com a cabeça fraca”. Então, os irmãos revezavam o porte da arma, até mesmo na escola, momento em que uma menina viu.

“Foi muito pouco tempo depois, uma menina da escola viu o revólver e denunciou para a escola, que chamou a polícia”, conta Alex, que foi levado para uma DP e depois para a Fundação Casa ao lado do irmão.

“Encheu de polícia na escola, eles me colocaram em algemas, eu saí da escola algemado, com todo mundo olhando. Fiquei morrendo de vergonha, fiquei mal pela minha mãe, que falava não sabia o que tinha feito de errado pra gente fazer isso, porque não foi assim que ela educou”, conta Alex.

“No DP a gente conheceu um menino que era filho de um irmão (membro do PCC) e já tinha passado por várias unidades. A gente não sabia de nada sobre ser internado, né, ele explicou. Ele falou que algumas são comandadas pela facção, outras não. Explicou que tem algumas melhores, outras que são bem ruins”, conta Alex.

Uma chance

Sua passagem pela Fundação Casa foi breve, mas teve um efeito de longa duração. Como os dois eram primários, frequentavam a escola, tinham responsáveis e o porte de arme é um ato infracional não violento, o juiz aplicou como medida socioeducativa: a prestação de serviços à comunidade, no lugar da internação.

Essa medida foi o que mudou a vida de Alex. Isso porque o local que ele iria fazer a limpeza e outros serviços era uma Fábrica de Cultura, que oferece cursos e atividades culturais. O jovem acabou participando de uma peça e se apaixonou pelo teatro. Então, ele tomou ciência de um programa chamado Satyros Teen, um curso com a companhia de teatro que oferecia bolsa auxílio de 600 reais.

“No princípio eu estava na dúvida de me inscrever, porque era no centro, muito longe da minha casa, 4 horas para ir e para voltar. Mas quando soube da bolsa, eu fui. 600 reais era muito dinheiro, ia fazer muita diferença na minha casa, ajudar meus pais a pagar o aluguel. E eu ia poder ajudar sem fazer algo errado, fazendo inclusive uma coisa que eu tinha adorado.”

Advogado

Apesar de ser apaixonado pelo teatro, Alex sabia que viver da arte no Brasil é difícil, então ele decidiu tentar passar em Direito pelo Enem. “Eu pensei, vou me formar e realizar o sonho da minha mãe, que sempre dizia que queria que seu filho fosse doutor.” Com muita luta, ele conseguiu passar na Unip. “Eu tive que correr atrás de muita coisa, porque, por mais que eu estudasse, todo mundo tinha muita bagagem que eu não tinha, sabe? De cultura mesmo, de viajar, de conhecer as pessoas, falar várias línguas”.

Para pagar a mensalidade, ele continuou trabalhando no teatro e contando sua história por meio da arte, quando recebeu oportunidade de estagiar em um escritório, dada por um homem elegante na plateia. Após falhar em passar na OAB, os advogados dera R$ 800 para que ele frequentasse um cursinho preparatório.

“Não tenho nem como colocar em palavras a importância que o teatro tem na minha vida, e a importância da chance que me deram no escritório”, conta Alex. “Eu me esforço muito mesmo, mas eu consegui porque tive uma oportunidade, me deram uma chance! Não existe meritocracia quando não existem oportunidades iguais, quando tantos jovens não têm oportunidade nenhuma”, diz ele.

Fonte: BBC

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