O resgate do Hubble, momento icônico para a história da ciência, quase não aconteceu.
O Telescópio Espacial Hubble, por muitos anos nossa janela para o passado, até a chegada do James Webb (JWST), está se aproximando de seu dramático fim.
Desde a última missão de manutenção em 2009, sua órbita tem decaído e com o fim do programa dos ônibus espaciais, a NASA não possui meios para realizar outra missão de manutenção.
Eventualmente, ele entrará na atmosfera terrestre e queimará, mergulhando nas profundezas do oceano.
No entanto, a agência espacial norte-americana nunca se sentiu confortável com a ideia de perder o Hubble. Em um cenário ideal, ele seria recuperado e exibido permanentemente em um museu.
Por isso, a NASA aceitou uma proposta da SpaceX para uma missão alternativa, com o objetivo de prolongar a vida útil do satélite.
Não é surpreendente que, dada a habitual resistência da NASA em relação à SpaceX, já que muitos no governo dos EUA não simpatizam com o bilionário Elon Musk, os supervisores da agência não tenham muita confiança na proposta, por diversos motivos.
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Desde o início de sua missão em 1990, o Hubble enfrentou uma série de problemas. Logo de cara, ele nasceu “míope”: um desvio microscópico no espelho principal fazia com que suas imagens ficassem borradas.
Ele teve que usar “óculos” (uma lente de correção adicional) por um tempo, até que a peça defeituosa fosse substituída.
Em 2008, um defeito na Unidade de Comando/Formatadora de Dados Científicos (CU/SDF) levou a NASA a substituir completamente a Unidade de Comando de Instrumentos Científicos e Manipulação de Dados (SI C&DH) no ano seguinte, marcando a última manutenção local do telescópio antes do fim do programa dos shuttles em 2010.
Desde então, os defeitos só se acumularam. Em 2018, um bug no giroscópio foi corrigido com um reboot e uma série de manobras realizadas remotamente.
Em junho de 2021, a Unidade de Controle de Energia (PCU) do SI C&DH instalado em 2009 apresentou falhas, e tanto o computador principal quanto o backup, acionado pela primeira vez, não funcionaram.
O problema foi resolvido quando o segundo computador passou a usar sua própria PCU, ao invés da principal, que era a origem do bug.
Em outubro do mesmo ano, uma série de falhas de sincronização forçou a NASA a desligar os instrumentos do Hubble temporariamente.
A NASA entende que, sem manutenção periódica, os bugs do Hubble se acumularão até uma falha crítica que deixará o telescópio inoperante. No entanto, ele pode não durar tanto: entre 2009 e 2022, sua órbita decaiu cerca de 32,18 km.
Com base na atividade solar e no arrasto atmosférico, a NASA estima que ele fará uma reentrada catastrófica na atmosfera terrestre entre 2028 e 2040.
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Em 2022, no entanto, a SpaceX apresentou uma proposta interessante e ousada, envolvendo a cápsula Crew Dragon, para abordar essa questão.
A ideia, apresentada pelo bilionário e colaborador da SpaceX Jared Isaacman, comandante da missão privada Inspiration4, consistia em uma missão tripulada para substituir componentes deteriorados e usar a cápsula como um rebocador para levar o Hubble até a altitude correta. Na época, a NASA concordou em investigar as opções.
No entanto, e-mails internos trocados entre os administradores da agência mostram que nem todos estão satisfeitos com a proposta, por uma variedade de motivos.
Barbara Grofic, chefe da divisão de Projetos de Astrofísica, mencionou em uma mensagem que o plano “é uma oportunidade fantástica” para poupar o orçamento da NASA, deixando a SpaceX arcar com os custos, mas, ao mesmo tempo, “tremendamente desafiador” do ponto de vista legal e logístico, para um cenário nunca antes projetado (consertar o Hubble in loco após o fim dos shuttles).
Os planos do resgate do Hubble estavam avançando para uma demonstração prática quando, em abril de 2023, a NASA começou a expressar uma série de preocupações.
Keith Kalinowski, especialista do Hubble, disse que uma missão do tipo era viável, mas fazer uma caminhada espacial com o atual equipamento da missão Polaris, da qual a SpaceX faz parte, era “perigoso demais”.
Na mesma época, Dana Weigel, diretora de Operações da Estação Espacial Internacional (ISS), escreveu que “a visão da SpaceX sobre os riscos e a disposição de aceitá-los é consideravelmente diferente da visão da NASA”, uma referência ao rigoroso e burocrático enfoque da agência em regulamentos, provisões e redundâncias. Além disso, a Dragon não possui um braço robótico ou travas para despressurização, nem há como adaptá-los.
Sob essa perspectiva, a empresa de Elon Musk se torna imprudente e não inspira confiança para uma missão com grande potencial de colocar astronautas em risco.
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Além disso, Dana Weigel expressou preocupações sobre o traje para atividades extraveiculares (EVA) da SpaceX, descrevendo-o como “extremamente imaturo”, provavelmente devido à sua aparência.
Os trajes da NASA evoluíram ao longo das décadas para se tornarem unidades completas de suporte à vida, oferecendo mobilidade básica e segurança total, embora sacrificando conveniências como um banheiro, daí a necessidade de fraldas de adulto.
Em contraste, o EVA da SpaceX adota uma abordagem mais moderna, com um HUD embutido no capacete, prometendo mais liberdade de movimento.
No entanto, a SpaceX ainda está desenvolvendo seu EVA e atualmente só garante a segurança do traje intraveicular (IVA).
O astronauta Andrew Feustel, que participou de três missões de reárp e resgate do Hubble, considera a proposta da SpaceX interessante, mas ressalta que a empresa “tem zero experiência” em caminhadas espaciais, tornando difícil prever possíveis problemas.
Weigel sugere que a SpaceX pode estar sacrificando a segurança e confiabilidade dos trajes atuais por um design mais atraente, mas menos testado.
A segurança no espaço é crucial, com históricos de tragédias como Apollo I, Challenger e Columbia lembrando dos riscos envolvidos. Apesar das intenções da SpaceX, o novo traje não impressionou a NASA, que prefere soluções já comprovadas.
Quanto à capacidade da Dragon de suportar caminhadas espaciais, é importante notar que outras naves também enfrentam desafios: a Boeing ainda não voou com sua Starliner e a Orion só fará sua primeira missão tripulada em 2025.
Ou seja, ainda temos um longo caminho pela frente antes do resgate do Hubble para sua aposentadoria.
Fonte: MeioBit