Quase 1.500 acadêmicos, pesquisadores e cientistas especializados se perguntam a mesma coisa: a Antártida chegou a um ponto de não retorno?
Os grupos se reuniram no sul do Chile esta semana para a 11ª conferência do Comitê Científico de Pesquisa Antártica, com o objetivo de compartilhar as pesquisas mais recentes sobre o vasto continente branco.
A conferência abordou uma ampla gama de disciplinas científicas, desde geologia e biologia até glaciologia e artes, mas um tema central permeou as discussões: a Antártida está mudando mais rapidamente do que o previsto.
Eventos climáticos extremos, que antes eram apenas hipóteses, tornaram-se realidade com relatos de pesquisadores sobre chuvas intensas, ondas de calor severas e eventos repentinos de Foehn (ventos fortes e secos) em estações de pesquisa. Esses fenômenos têm causado derretimento em massa, grandes rupturas de geleiras e condições climáticas perigosas com implicações globais.
Com dados de estações meteorológicas e satélites dos últimos 40 anos, os cientistas estão questionando se esses eventos indicam que a Antártida atingiu um ponto de não retorno.
Ou seja, se é crítico ou se está passando por uma perda acelerada e irreversível de gelo marinho na camada de gelo da Antártida Ocidental.
Incertezas
Existem incertezas sobre se as observações atuais refletem uma queda temporária ou uma redução acentuada (do gelo marinho), afirmou Liz Keller. Ela é especialista em paleoclima da Universidade Victoria de Wellington, na Nova Zelândia. Por isso, liderou a sessão sobre previsão e detecção de pontos de inflexão na Antártida.
Estimativas da NASA indicam que a camada de gelo da Antártida contém gelo suficiente para elevar o nível médio global do mar em até 58 metros. Estudos revelam que aproximadamente um terço da população mundial vive a menos de 100 metros acima do nível do mar.
Embora seja difícil afirmar se já chegamos a um ponto de não retorno, Keller observa que a taxa de mudança é sem precedentes.
Ele indica que podemos observar o aumento de CO2 ao longo de milhares de anos, mas agora isso ocorreu em apenas 100 anos.
Enquanto isso, Mike Weber, paleoceanógrafo da Universidade de Bonn, na Alemanha, especializado na estabilidade da camada de gelo da Antártida, destaca que registros de sedimentos de 21 mil anos atrás mostram períodos semelhantes de derretimento acelerado do gelo.
Segundo Weber, a camada de gelo teve perdas aceleradas de massa de gelo pelo menos oito vezes. Ainda, registrou acelerações começando ao longo de algumas décadas e dando início a fases de perda de gelo que podem se estender por séculos. Assim, vai trazer níveis muito mais altos do mar global.
Weber aponta que a perda de gelo aumentou na última década e a dúvida é se isso marca o início de uma fase de séculos.
“Talvez estejamos entrando em uma fase dessas agora”, diz Weber. “Se for o caso, não há como detê-la, pelo menos por enquanto.”
Reduzir as emissões
Embora alguns acreditem que as mudanças climáticas já são inevitáveis, os cientistas concordam que podemos evitar os piores cenários se reduzirmos drasticamente as emissões de combustíveis fósseis.
Weber explica que a crosta terrestre se recupera em resposta ao recuo das geleiras e que a diminuição do peso das geleiras pode ajudar a compensar o aumento do nível do mar. Uma pesquisa recente sugere que um equilíbrio ainda é possível se a taxa de mudança for suficientemente lenta.
Se conseguirmos manter as emissões baixas, podemos eventualmente controlar a situação, afirma Weber. Mas se as mantivermos altas, enfrentaremos uma situação fora de controle, sem possibilidade de remediação.
Mathieu Casado, meteorologista paleoclimático e especialista em isótopos de água do Laboratório de Ciências Climáticas e Ambientais da França, utiliza essas técnicas para reconstruir temperaturas históricas.
Casado revelou que, através de dados de dezenas de núcleos coletados em toda a camada de gelo, conseguiu reconstruir padrões de temperatura na Antártida que datam de 800 mil anos.
A pesquisa de Casado revelou que o aumento atual da temperatura nos últimos 50 anos está claramente fora dos padrões de variabilidade natural. Com isso, evidencia a influência da indústria nas emissões de carbono que estão impulsionando as mudanças climáticas.
Ele destacou que a última vez que a Terra experimentou temperaturas tão elevadas foi há 125 mil anos. Isso foi quando os níveis do mar estavam entre 6 e 9 metros mais altos, com uma significativa contribuição da Antártida Ocidental.
Ponto de não retorno
Casado explicou que, historicamente, a temperatura e o dióxido de carbono estavam em equilíbrio. No entanto, atualmente os níveis de CO2 são muito mais altos, e estamos longe desse equilíbrio, mais perto do ponto de não retorno.
Ele e outros cientistas observaram que a velocidade e a quantidade de carbono liberado na atmosfera não têm precedentes.
Gino Casassa, glaciologista e chefe do Instituto Antártico do Chile, afirmou que, com as atuais taxas de emissões, o nível do mar pode subir até 4 metros ou mais até 2100.
Além disso, ela alerta que o que está acontecendo na Antártida não se restringe. Os padrões atmosféricos, oceânicos e climáticos globais estão chegando ao continente. Resta esperar esse impacto no resto do planeta.
Fonte: CNN