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Esse vilarejo em GO tem a maior incidência de doença de pele rara

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Um vilarejo no estado de Goiás é o local com maior incidência da rara doença de pele chamada xeroderma pigmentoso.

A pedagoga Gleice Francisca Machado Freire, marcou uma consulta no Hospital Estadual Alberto Rassi, em Goiânia, após o filho de 4 anos de idade, Alisson Wendel Machado Freire, apresentar as primeiras manchas na pele. A família percorreu 245 quilômetros de Recanto das Araras, em Faina, até a capital.

De acordo com Sulamita Costa Wirth Chaibub, médica dermatologista que atendeu o garoto, Alisson era falante, ruivo e tinha uma ou outra sarda, por isso, no começo, não verificou nada incomum.

“A pele ruiva é a mais delicada de todas, então, recomendei à mãe que a tratasse com muito cuidado, passando protetor solar diariamente e evitando que o menino pegasse sol das 10h às 16h.” 

Apesar das orientações serem seguidas, a família voltou a procurar a médica em 2009. A especialista afirma que a criança tinha pintas e manchas mais acentuadas e em maior quantidade. Assim como nódulos e lesões na pele provocadas pelo acúmulo de células névicas ou de melanócitos.

Depois disso, a médica perguntou a Gleice se mais alguém na família era ruivo e tinha problemas de pele. Apesar da avó materna do garoto ter cabelo alaranjado, ela não tinha histórico com doenças dermatológicas. No entanto, outras pessoas da comunidade tinham câncer de pele e Chaibub notou que os casos podiam estar ligados.

Junto com outros médicos dermatologistas, ela começou a acompanhar Alisson. Após a mancha evoluir, os médicos decidiram a retirar por meio de cirurgia. Era um câncer de pele aos seis anos. Após isso, Chaibub foi para São Paulo buscar ajuda com especialistas e depois de biópsias e testes genéticos descobriu que o garoto tinha doença genética rara chamada xeroderma pigmentoso (abreviada como XP).

A xeroderma pigmentoso

Foto: Record TV

Relatada pela primeira vez em 1874 pelo húngaro Moritz Kaposi e pelo austríaco Ferdinand Ritter von Hebra, a doença de pele tem nome com origem latina. Ela é descrita pelas principais características físicas de seus pacientes: xero representa “seca”, derma é “pele” e pigmentosum significa “pigmentada”.

A pele seca e cheia de pintas das pessoas com xeroderma pigmentoso é muito sensível à radiação ultravioleta (UV) e tem predisposição para desenvolver câncer. Isso ocorre porque essas pessoas possuem mutações genéticas que impedem a reparação do DNA depois da exposição à luz solar.

“Essa é uma tarefa que nosso corpo executa cerca de 10 mil vezes ao dia, mas os pacientes com xeroderma não produzem proteínas que fazem esse serviço”, informa Carlos Frederico Martins Menck, coordenador de estudos genéticos feitos na comunidade de Araras.

A doença afeta igualmente homens e mulheres e para desenvolvê-la, precisa herdar dois alelos mutados, um da mãe e um do pai. No caso das pessoas que herdaram apenas um alelo modificado, não desenvolverão a doença, que costuma aparecer na infância.

Além disso, oito genes podem estar envolvidos na doença. Mutações em sete deles — do XPA, XPB, XPC… ao XPG — impedem a reparação do DNA quando danificado pela luz UV. Já se as alterações forem em um oitavo gene, denominado XPV ou POLH, o DNA ferido pode se recuperar, porém, não será realizada a síntese de translesão, processo de pular as lesões do DNA enquanto acontece a reaplicação do material genético.

“No mundo, o xeroderma pigmentoso atinge uma a cada 1 milhão de pessoas; em Recanto das Araras (GO), há um caso a cada 40 habitantes”, afirma a Sociedade Brasileira de Dermatologia.

De acordo com Ligia Pereira Castro, geneticista que tem acompanhado a comunidade em Araras desde 2011, a falta da proteína chamada polimerase-eta (Pol η) acaba gerando mais erros genéticos e mutações, o que acaba causando câncer.

Na comunidade, o XPV está associado a uma maior expectativa de vida em quem tem a doença.

A doença de pele em Goiás

Foto: Sociedade Brasileira de Dermatologia

Antes de Alisson, a dermatologista Sulamita Chaibub só havia trabalhado com três casos de xeroderma pigmentoso em mais de 30 anos de profissão. A médica afirma que o tanto de casos no Recanto das Araras era algo impensável devido à raridade da mutação. No local, está a maior concentração de pacientes dessa doença de pele do mundo.

Conforme um estudo publicado em abril de 2020 na revista Mutation Research/Genetic Toxicology and Environmental Mutagenesis, o caso de Araras pode ser explicado por duas razões. A primeira seria por conta das famílias ibéricas que se alocaram na região há cerca de dois séculos. Devido ao isolamento geográfico, era bastante comum os casamentos consanguíneos, o que aumentou as chances da mutação genética sobreviver por gerações.

No ano de 1975, outro episódio teria inserido a variação genética, uma família que se mudou de Hidrolândia, Goiás, para o Recanto das Araras e tinha histórico da doença de pele. A mutação trazida por esse grupo estava no exon 8 do gene POLH. O estudo acrescenta que ela corresponde à mutação de dois casos europeus, porém sem ligação com os do Brasil.

A vida das pessoas com a rara doença de pele

Foto: Fernanda Borges/G1

Viver com a rara doença de pele significa restrições. A doença não tem cura e o tratamento consiste em prevenir o surgimento de manchas com uso de medicamentos, terapias e cirurgias para remover os rumores. As pessoas que possuem a xeroderma pigmentoso devem evitar a exposição ao sol e reaplicar o protetor solar várias vezes ao dia, assim como usar roupas e óculos com proteção UV e repor a vitamina D se for necessário.

Alisson conta que devido ao sol, precisa praticar esportes à noite, porém devido à falta de iluminação existem meses que não consegue praticar.

Gleice Machado Freire, mãe de Alisson, fundou em 2010 a Associação Brasileira do Xeroderma Pigmentoso (AbraXP), instituição responsável por várias conquistas para a comunidade. Entre elas, pode-se usar de exemplo, a garantia de tratamento e medicamentos fornecidos pela rede pública de saúde e o direito à aposentadoria no estado de Goiás.

Em 2015, foi criado o Projeto Araras, uma parceria da SBD com a La Roche-Posay, marca dermatológica do grupo L’Oreal. A ação tem como objetivo conscientizar e atender à comunidade dessa região.

O projeto ocorre a cada dois anos e reúne profissionais da saúde de todo o país para atendimento médico para toda população local. A última edição aconteceu nas salas de aula da Escola Municipal Bruno Freire de Andrade que foram transformadas em consultórios.

Além disso, em um caminhão adaptado foram realizadas micro cirurgias dermatológicas, principalmente de retirada de tumores de pele, em especial nos pacientes com xeroderma, apesar de toda população rural também passar pelo procedimento devido à exposição diária ao sol.

Também foram realizados testes durante o mutirão. Muitas pessoas aproveitaram o momento para descobrir se tem a rara doença de pele ou não.

Novo teste para a rara doença

Foto: Divulgação

Ainda na última edição do Projeto Araras, as pessoas que participaram do teste genético participaram da pesquisa desenvolvida pelo químico Lurian Caetano David, mestrando da Universidade Federal de Goiás. O novo exame será capaz de identificar genes mutados para a doença por meio do cerúmen, a cera de ouvido.

“O diagnóstico por meio desta secreção é especialmente importante para pessoas que têm dificuldades em fazer o teste com saliva, como crianças e idosos, que não conseguem produzi-la na quantidade de que precisamos para identificar as mutações”, informa David. 

Além disso, estudos anteriores demonstraram que o teste com cera de ouvido é padrão-ouro, assim como a saliva. Outro ponto positivo é que a cera de ouvido pode ser armazenada para análise por até duas semanas, tempo superior à urina e ao sangue.

Fonte: Revista Galileu

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