Médicos utilizam pele de tilápia para construção de canal vaginal

Um procedimento cirúrgico utilizou pele de tilápia, um peixe de água doce, para criar um canal vaginal em uma mulher que nasceu com a síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser (SMRKH). A síndrome pode causar atrofia parcial ou completa da vagina. 

Maria Jucilene Moreira, de 28 anos, conhecida como Jucy, foi a primeira mulher brasileira a ter o canal vaginal criado com a pele de tilápia.

Jucy realizou a cirurgia em 2017, aos 23 anos, depois de descobrir que o procedimento era feito na Maternidade Escola Assis Chateaubriand, da Universidade Federal do Ceará (UFC), em Fortaleza.

“Depois dos 10 dias que eu fiquei lá, eu saí e parecia que eu nunca tinha feito cirurgia, porque não fica nenhuma cicatriz, não fica nada de corte”, disse. Atualmente, Jucy é casada e afirma não sentir dores ou incômodos durante a relação sexual.

Em entrevista ao G1, a mulher disse que demorou a receber o diagnóstico porque nenhum médico conseguia descobrir o motivo da ausência da menstruação e das dores na barriga, sintomas da síndrome. Um médico chegou a afirmar que a jovem não menstruava porque estava grávida, mesmo ela dizendo que era virgem. “Ele insistiu, até que fez um toque (exame) e viu que eu era virgem mesmo.”

Após ser diagnosticado com SMRKH, Jucy passou por diversas unidades hospitalares, sofreu com a tensão de não saber o que tinha e ainda foi submetida a uma cirurgia no hímen. Isso porque um dos médicos acreditava que ela tinha o hímen imperfurado, problema que causa atraso no fluxo menstrual.

“O médico falou que achava que era o hímen imperfurado, me passou para outro hospital, outro médico, para eu fazer essa cirurgia. Fiz a cirurgia aí depois o médico falou que não era isso e que não sabia o que eu tinha. Falou que não podia fazer nada”, lembra.

Procedimento cirúrgico com a pele de tilápia

Jucy Moreira e Tainá Fogaça (Foto: Arquivo Pessoal)

A cirurgia que constrói o canal vaginal com a utilização da pele de tilápia foi idealizada em 2017 pelo médico Leonardo Bezerra, professor de ginecologia da UFC. O médico se inspirou no uso da pele do peixe para o tratamento de queimaduras. O procedimento já existia há anos, mas antes era feito com pele humana, e não da tilápia.

A ideia foi desenvolvida em conjunto com a médica Zenilda Vieira Bruno, que já realizava procedimentos de reconstrução vaginal, mas sem a pele da tilápia. A cirurgia era feita com a pele da virilha da paciente. Mas apesar do resultado positivo garantido, tinham que lidar com uma grande cicatriz.

Leonardo explica que, na maioria dos casos, a síndrome é descoberta pelas pacientes por causa da primeira menstruação. O médico acrescenta que a maioria delas não possuem útero.

“Geralmente se manifesta na puberdade com a ausência da primeira menstruação. Quando você vai examinar, ela não tem o canal vaginal. Ela tem o vulvo normal, genitália normal, porém ela não tem vagina e a maioria também não tem útero. Então todo esse infortúnio de não ter vagina causa muito transtorno porque elas não conseguem também ter atividade sexual”, explica Leonardo.

A construção do canal vaginal

Foto: Viktor Braga/UFC

De acordo com Leonardo Bezerra, a construção do canal vaginal com o uso da pele de tilápia se tornou revolucionária e eficiente. O procedimento cirúrgico dura cerca de 20 minutos.

No entanto, diferente do uso em queimaduras, quando a pele do peixe é utilizada como um curativo e depois retirada, na reconstrução do canal vaginal, a pele da tilápia é permanente.

“O procedimento cirúrgico consiste na gente criar um espaço artificialmente pela cirurgia através de incisões entre o reto e a vagina. O problema é que esse espaço precisa de um suporte, de um arcabouço para ele não fechar. Usa-se pele humana, usa-se próteses de celulose oxidada, que são próteses muito caras, e nós do SUS não tínhamos acesso. E aí a ideia de usar a pele de tilápia foi revolucionária porque ela teve sucesso, as pacientes conseguiram fazer o canal vaginal, a pele de tilápia não evoluiu com rejeição, nem com infecção”, explica Leonardo.

Substituiu cirurgia plástica

Foto: Arquivo Pessoal

A estudante Tainá Fogaça de Souza, de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, também passou pelo procedimento de construção do canal vaginal. A jovem estava se preparando para fazer o procedimento de forma particular em São Paulo com um cirurgião plástico. Porém, quando conheceu Leonardo Bezerra, viajou para Fortaleza e fez a construção do canal vaginal na Maternidade Escola.

“Os exames apontaram que eu não tinha canal vaginal e tinha um útero muito rudimentar, que não tinha se desenvolvido, e, portanto, não é funcional nem pode vir a ser. Eu mesma fui atrás de métodos para a reconstrução do canal, já que tinha acabado de começar a namorar. E lembro de procurar muito alguém que pudesse me guiar, algum médico mais especializado na síndrome. No início eu fiz tudo particular, iria inicialmente fazer também a cirurgia em São Paulo com um cirurgião plástico, mas depois conheci o Hospital Maternidade Escola de Fortaleza e conversei com o doutor Leonardo”, disse a estudante ao G1.

Sucesso nas cirurgias com pele de tilápia

Foto: Divulgação/ Veja

A médica ginecologista Zenilda Vieira Bruno, professora na Faculdade de Medicina da UFC, que também faz a cirurgia na maternidade, contou que já realizou cerca de 30 procedimentos com Leonardo Bezerra e que em todos os casos houve sucesso. As pacientes não apresentaram complicações e rejeições à pele do peixe.

“A primeira cirurgia foi um sucesso, um ano depois a gente já fez outra e agora a gente já tá com quase 30 pacientes. Em todos os casos foi um sucesso”, afirma Zenilda.

Eficácia em casos de redesignação sexual

Foto: Reprodução

A cirurgia para construção de um canal vaginal usando tilápia em pessoas transsexuais já está sendo utilizada na Colômbia, por um grupo parceiro dos médicos que atuam com o mesmo procedimento na Maternidade Escola. De acordo com Leonardo Bezerra, já foram realizados 50 procedimentos e todos tiveram sucesso.

No entanto, o procedimento de redesignação sexual em pacientes transsexuais ainda não foi autorizado no Ceará.

Fonte: G1

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