Curiosidades

O motivo do aumento do número de candidatos pretos e pardos no Enem

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O Enem foi criado em 1998 pelo Ministério da Educação, e de lá para cá sofreu várias mudanças. Tanto que, hoje em dia, a prova é a principal porta de entrada para várias faculdades do país. Mesmo assim, em 2021, o número de inscritos no Enem sofreu uma queda muito forte, apesar da prova ter registrado uma outra mudança bastante significativa.

Entre 2010 e 2016, a proporção de candidatos pretos e pardos, que juntos formam a população negra do Brasil, teve um salto de 51% para 60%. Em contrapartida, a proporção de candidatos brancos no Enem caiu de 43% para 35%.

Esses dados deixaram o pesquisador Adriano Senkevics intrigado, ainda mais por acontecerem em uma época que foi marcada pela inclusão das cotas sociais e raciais nas universidades públicas, mas também pelo orgulho das pessoas em se afirmarem negras. Então, o pesquisador foi investigar os motivos dessa tendência.

Possibilidades

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Para justificar esse aumento na proporção de candidatos no Enem, o pesquisador pensou em algumas possibilidades. Seria o grande aumento de candidatos, saltando de 4,6 milhões para 8,6 milhões, que teria ampliado o acesso? Ou por conta da concorrência alta os candidatos negros teriam que fazer a prova mais vezes para serem aprovados?

Além disso, também surgiu a dúvida sobre qual seria o peso da mudança de pessoas que antes se consideravam brancas mas, ao tentar a prova mais de uma vez, passavam a se autodefinir como pardas?

Tendo isso em mente, Senkevics, que é doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Inep, órgão responsável pela realização do Enem, descobriu que cada um desses três fatores ajudaram na mudança de porcentagem, mesmo que tendo pesos diferentes.

Nesse ponto, ele deu uma entrevista à BBC Brasil para explicar melhor os resultados do estudo que ele fez, já que é o primeiro a analisar esse fenômeno da “reclassificação racial”, ou seja, as pessoas que mudam sua autodefinição de raça ou cor no Enem.

Mudança

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O pesquisador disse que muitas pessoas pensaram que ele decidiu olhar para esse aumento da proporção de negros no Enem e para o fenômeno da reclassificação racial com o objetivo de descobrir fraudes nas cotas. Contudo, Senkevics deixou bem claro que essa não foi a intenção do seu estudo.

“O que me motivou foi uma curiosidade científica com relação a esse movimento de as pessoas se classificarem cada vez mais como negras. Trata-se de um fenômeno cultural brasileiro, que é a assunção cada vez maior da identidade e do pertencimento negro, num país historicamente racista e cujo racismo foi apoiado num processo de ‘embraquecimento’ histórico, de negação de identidades raciais negras e indígenas e desvalorização da história e cultura dessas parcelas da população”, disse ele.

Estudo

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O estudo feito por ele se divide em três partes. Na primeira, ele focou nos novos inscritos, ou seja, as pessoas que estão prestando o Enem pela primeira vez. No período de tempo analisado, a porcentagem de negros foi de 51,5% para 57%.

Para o pesquisador, essa mudança no perfil racial nesse caso é o reflexo das alterações no cenário educacional brasileiro, como por exemplo, um aumento na proporção de jovens que concluem o ensino médio. Com isso, mais jovens de baixa renda, negros e estudantes de famílias menos privilegiadas conseguem ficar aptos para tentar uma vaga na faculdade.

“O perfil de quem termina o ensino médio foi se tornando cada vez mais heterogêneo e representativo da população. O jovem de classe alta, de família mais escolarizada, já fazia o Enem. A novidade é que vai entrando um perfil novo, que vai aumentando sua presença cada vez mais nesse período”, pontuou Senkevics.

Além disso, as políticas de ampliação do acesso às universidades incentivaram estudantes que antes talvez não achassem ou acreditassem que poderiam entrar em uma faculdade.

Senkevics destaca que os novos inscritos também estão sujeitos às mudanças culturais e demográficas vistas na população brasileira em geral. Ou seja, os candidatos podem se perceber negros antes mesmo de se inscreverem no Enem.

Na segunda parte do estudo, o foco foi nos estudantes que prestam o Enem mais de uma vez. Em 2011 eles representavam 36%, saltando para 65% em 2016. Nesse grupo existe pouca diferença no perfil racial, mas brancos superam o número de pardos em aproximadamente 1%.

Contudo, na terceira tentativa em diante, o número de pardos supera o de brancos. Essa diferença chega a ser de 48% pardos para 30% brancos.

“A pessoa pode fazer o Enem quantas vezes ela quiser, como o ensino superior é muito disputado e o processo seletivo é muito afunilado, uma pequena parte dos inscritos vai ter sucesso. Candidatos menos preparados, com origens menos privilegiadas, como boa parte da população negra, podem ser obrigados a fazer o exame mais de uma vez”, explicou o pesquisador.

Nesse ponto, Senkevics destaca que os candidatos negros e pardos têm algumas dificuldades no Enem, como por exemplo, maiores taxas de abstenção nos dias de provas e médias de desempenho menores, em relação aos brancos. Isso pode fazer com que esses candidatos se inscrevam mais vezes na prova.

Justamente nesse ponto surge a possibilidade de reclassificação racial, que ocupa a terceira parte do estudo.

Análises

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No estudo, Senkevics analisou esses movimentos de reclassificação. Como resultado, ele viu que mesmo que elas aconteçam em todas as direções, o saldo líquido das mudanças resulta em uma diminuição de 5% no número de brancos, aumento de 1% no de pardos e ganho de 13,7% na quantidade de negros.

Além disso, ele aponta que essa reclassificação tem pouca relação com possíveis tentativas de fraude. “A pessoa que é parda já é beneficiária da política afirmativa racial. Então o que eu entendo que explica essa grande migração de pardos para pretos é que não há outra motivação que não a questão cultural, porque a categoria ‘preto’ é muito mais alvo do processo de ressignificação do que ‘pardo'”, ressaltou.

“O pardo não é sequer uma categoria nativa, não é usada pelas pessoas nos seus processos de autoidentificação, é uma categoria mais demográfica do que exatamente sociológica. Enquanto isso, toda a questão da valorização da negritude vem muito em cima da ideia de ser preto. Então, é uma categoria que tem uma militância maior, em torno da qual a conscientização racial se construiu e que marca mais uma diferença com relação ao branco”, concluiu ele.

Fonte: G1

Imagens: G1

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