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Como nossos antepassados dormiam?

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O sono é um assunto muito falado atualmente. Mas você já pensou como nossos antepassados dormiam? Quais eram os seus rituais?

Ao investigar sobre histórias noturnas, para escrever um livro, o historiador Roger Ekirch visitou o Escritório de Registros Públicos de Londres. Entre as fileiras de manuscrito, ele encontrou o depoimento da menina Jane Rowth, assassinada aos nove anos.

Para Ekirch, os depoimentos judiciais são uma fonte maravilhosa para historiadores sociais.  “Eles comentam sobre atividades muitas vezes não relacionadas ao crime propriamente dito”, disse o professor da Universidade Estadual da Virgínia, nos Estados Unidos.

O especialista decidiu investigar o sono por acreditar que o hábito é uma necessidade universal e uma constante biológica. No entanto, ele não esperava fazer uma descoberta sobre o testemunho de Jane Rowth. A garota detalhava um “primeiro sono” no documento escrito no século XVII.

No testemunho, Jane relata que pouco antes dos assassinos chegarem à sua casa, ela e a mãe haviam acordado do primeiro sono. Essa interrupção foi apresentada como algo comum e sem importância. “Ela se referiu ao caso como se fosse absolutamente normal.”

Além disso, a existência de um primeiro sono indica que também existia um segundo. Mas, a nova pergunta era se esse era um hábito familiar ou não.

A pesquisa

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Ekirch pesquisou durante meses sobre o sono duplo, ou sono bifásico, como ele denominou. A pesquisa foi ampliada e começou a incluir banco de dados online de outros registros escritos.

Entre os relatos banais, foi encontrado o de Luke Atkinson, de East Riding, em Yorkshire, no norte da Inglaterra. Uma vez, ele cometeu assassinato no começo da manhã entre os dois sonos. De acordo com declarações da esposa, ele usava o intervalo para ir à casa de outras pessoas e cometer crimes.

O primeiro sono também é mencionado na obra The Canterbury Tales (“Os contos da Cantuária”, em português), de Geoffrey Chaucer (escritos entre 1387 e 1400). Assim como no livro Beware the Cat (“Cuidado com o gato”, em tradução livre), escrito em 1561 pelo poeta William Baldwin.

Além disso, Ekirch encontrou referenciais sobre o primeiro sono em cartas, diários, livros médicos, escritos filosóficos, artigos de jornal e peças de teatro. O sono bifásico também foi praticado na França, chamado de “premier somme”, e na Itália, como o “primo sonno”.

O hábito foi registrado na África, sul e sudeste asiático, Austrália e Oriente Médio. Já no Brasil, um registro colonial do Rio de Janeiro, datado de 1555, descreve que o povo tupinambá comia após o primeiro sono.

Enquanto isso, um registro de Mascate, em Omã, informa que no século 19, os habitantes locais se preparavam para o primeiro sono antes das 22 horas.

Por isso, Ekirch começou a suspeitar que esse método foi a principal forma de dormir durante anos. Assim, o registro mais antigo encontrado por Ekirch foi do século 8 antes de Cristo, no épico grego. Já as indicações mais recentes dessa prática marcam o começo do século XX.

Como era o sono em duas fases?

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No século 17, entre as 21 e 23 horas, as pessoas que tinham melhor condição começavam a se deitar em colchões forrados com palhas ou trapos, o dos ricos poderiam ter até mesmo enchimentos de penas, para dormir por duas horas. Já as camadas mais pobres deitavam em plantas espalhadas no solo ou no chão de terra batida.

Como várias pessoas dormiam juntas, o sono tinha várias convenções sociais rígidas para evitar o constrangimento, entre elas, evitar contato físico ou muitos movimentos, assim como havia posições definidas para dormir. Depois de duas horas, as pessoas despertavam do primeiro sono. Acredita-se que as pessoas acordavam de forma natural, visto que não havia ruídos e nem despertadores, que foram inventados somente em 1787.

O período acordado era chamado de vigília e era usado para realizar tarefas úteis. “[Os registros] descrevem que as pessoas faziam quase de tudo depois que acordavam do primeiro sono”, explica Ekirch. Utilizando a baixa iluminação da Lua, estrelas, lâmpadas a óleo e velas, as pessoas faziam tarefas como colocar lenha no fogo, tomar remédios ou urinar.

Já os camponeses iam vistoriar os animais de criação ou realizar tarefas domésticas, entre elas, remendar roupas, pentear lãs e descascar juncos para fazer velas. Entre os relatos encontrados por Ekirch, existe o de um servo que preparou um lote de cerveja para o patrão entre meia noite e duas horas da manhã.

Apesar de também ser usado para os criminosos causarem problemas, a vigília era um horário religioso. Havia orações específicas para o momento, tal como defende um padre, que afirma que a vigília era a hora mais proveitosa do dia. “Ninguém virá procurar você, exceto Deus.” Enquanto isso, as pessoas que gostavam de filosofar usavam o momento para refletir sobre a vida e novas ideias.

No entanto, a vigília era principalmente útil para a socialização e o sexo. Muitas pessoas sentavam na cama apenas para conversas, compartilhando um nível de informalidade que não era conseguido ao longo do dia. Já para os casais, era o momento ideal para a proximidade física, devido à logística de dividir a cama com outras pessoas.

O primeiro sono eliminava a exaustão do dia. Já o segundo, era considerado o sono da manhã e durava até o amanhecer, quando as pessoas acordavam para trabalhar.

O sono em duas etapas na Antiguidade

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De acordo com Ekirch, o sistema de sono em dois períodos é algo encontrado em referências de toda Antiguidade. O sistema é citado em obras como as do biógrafo grego Plutarco (século 1 depois de Cristo), do viajante grego Pausânias (século 2 depois de Cristo), do historiador romano Lívio e do poeta romano Virgílio.

A prática também foi adotada pelos cristãos. No século VI, São Bento ordenou que os monges levantassem à meia noite para recitar salmos e fazer confissões. Com isso, o hábito se tornou popular na Europa.

Em 1995, o The New York Times publicou uma pesquisa conduzida por Thomas Wehr, cientista do sono do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos. De acordo com o experimento, 15 homens dormiram sem iluminação artificial à noite para reduzir as horas de luz do dia para 10 horas.

Eles foram confinados em um quarto sem luz, janelas, não podiam ouvir musicas, nem se exercitar e foram induzidos ao repouso e ao sono. Nas primeiras quatro semanas, eles dormiam do fim da noite até a manhã. Mas, depois disso eles não dormiam mais em um único período. As duas partes do sono eram divididas por um período de uma a três horas, em que eles ficavam acordados.

As medições da melatonina, hormônio do sono, também mostravam que seus ritmos cardíacos haviam alterado, indicando mudança biológica no sono.

Recentemente, uma pesquisa de David Samson, o diretor do laboratório do sono da Universidade de Toronto, confirmou o resultado. “Descobrimos que nas pessoas havia um período de atividade logo após a meia-noite até cerca de 1h a 1h30 da manhã”, conta Samson, “a atividade era reduzida em seguida até dormirem e permanecerem inativos, até acordarem, às seis horas, o que normalmente coincide com o nascer do sol”.

Por isso, entende-se que o sono bifásico nunca desapareceu.

Por que as pessoas abandonaram esse costume?

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Devido a essas pesquisas, Ekiech entendeu que o hábito de dois sonos foi abandonado devido a mudanças no comportamento, como o uso de relógios. Por isso, a resposta estava na Revolução Industrial.

“A iluminação artificial tornou-se mais presente e sua potência aumentou — primeiro, foi [a iluminação] a gás, introduzida pela primeira vez em Londres”, diz Ekirch, “e depois, claro, a iluminação elétrica, mais para o final do século. Além de alterar o ritmo circadiano das pessoas, a iluminação artificial também permitiu naturalmente que as pessoas ficassem acordadas até mais tarde.”

Para Ekirch, o sono se tornou mais profundo porque ele era mais reduzido, visto que as pessoas não iam mais para cama às 21 horas, mas continuavam acordando cedo. Além disso, as luzes artificiais aumentaram o primeiro sono e reduziram o segundo.

Fonte: BBC

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