Podemos dizer que a palavra “heroína” faz parte do dia a dia das mulheres de Tejucupapo, distrito de Goiana, cidade na zona da mata de Pernambuco. Tudo porque, é assim que muitas mulheres se referem a si próprias na região. “Pelo que vivi, sou uma heroína”, diz Luzia Maria, de 74 anos, presidente da associação local que também leva o título no nome: “Heroínas de Tejucupapo”, que ficaram conhecidas por terem derrotaram soldados holandeses usando água fervente e pimenta.
Tudo aconteceu base do obelisco instalado num morro a poucos metros do povoado. “Aqui, em 1646, as mulheres de Tejucupapo conquistaram o tratamento de heroínas por terem, com as armas, ao lado dos maridos, filhos e irmãos, repelido 600 holandeses que recuaram derrotados”, explicou Luzia.
Uma história que se tornou parte da tradição local
Esse episódio ocorrido no litoral pernambucano marca o que é considerada a primeira batalha na história brasileira em que as protagonistas são mulheres. Em busca de comida, os holandeses tentavam saquear a então vila de São Lourenço de Tejucupapo. Dessa forma, escolheram um local em que haveria poucos homens. No entanto, eles não esperavam encontrar mulheres prontas para a luta. Assim, elas estavam preparadas com paus, panelas, água fervente, pimenta e tudo que podiam carregar.
Em 1648, essa participação feminina havia sido registrada no livro “O Valeroso Lucideno”, escrito pelo frei português Manuel Calado. Entretanto, pouco foi registrado sobre o episódio nos séculos seguintes. Mas, de toda forma, a tradição permanecia viva em Tejucupapo. Contada de forma oral, a história, ao contrário do que poderíamos imaginar, ganhou ainda mais força no local. “Muito além de registro nos livros históricos, que foram escritos por homens e para homens, essa história tem uma força simbólica muito poderosa naquela comunidade. Estamos falando de uma história de 1646 que perpassou esse tempo todo ali, contada pelas mulheres, e reafirma que aquelas heroínas existiram e lutaram”, explica Luciana Lyra, dramaturga, atriz e pesquisadora que desenvolveu sua tese de doutorado sobre o tema.
Guerreiras de ontem, heroínas de hoje
Hoje, mais de 370 anos depois, a batalha segue viva no dia a dia de Tejucupapo. Todos os anos, as mulheres, entre pescadora, marisqueiras, professoras, aposentadas e donas de casa, se organizam no último domingo de abril e lutam para “defender” a terra, numa encenação que chega a reunir 10 mil pessoas, segundo a estimativa da associação. Dessa forma, atualmente, se tornou tradição vestir roupa de época e ir para o local da batalha. Assim, o teatro recria o conflito, ao mesmo tempo que mantém a história de todas as guerreiras viva.
Por meio de registros históricos, podemos identificar três tentativas de invasão a Tejucupapo. Contudo, há divergências quanto à participação de homens no conflito. Como se trata de um povoado essencialmente pesqueiro, a história contada em Tejucupapo é que era domingo. Por isso, os homens estavam foram da vila e teriam ido ao Recife e em outras cidades, para vender os peixes e mandioca. Na história contada, estima-se que havia mais de 300 cadáveres holandeses, no Monte das Trincheiras, onde aconteceu a batalha.
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